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Em Santa Catarina, pais e madrasta perdem o poder familiar por tratamento desigual aos filhos
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou sentença de comarca do sul do Estado que destituiu pais e madrasta do poder familiar sobre duas crianças. Após ser abandonado pela mulher e ficar com os dois filhos, o apelante envolveu-se com a cunhada e com ela teve outras duas crianças. A partir daí, os filhos do antigo casamento passaram a ser declaradamente preteridos pela tia-madrasta. As crianças eram submetidas a afazeres domésticos exaustivos para a idade, e uma delas teve tratamento de grave doença negligenciado.
A madrasta afirmava não amar as crianças "como mãe", apenas como tia. Um casal próximo à família das crianças, e que detém a guarda delas há dois anos, já manifestou interesse em adotá-los. Ambos são chamados de pai e mãe pelos meninos.
A mãe apelou, argumentando não ter abandonado os menores, mas sim confiado seus cuidados ao pai e à sua nova companheira, irmã da recorrente e, portanto, tia das crianças. O pai, acompanhado de sua atual convivente (tia e madrasta dos menores), alega que possui condições de cuidar dos quatro filhos, do atual e do antigo relacionamento.
Para o desembargador Ronei Danielli, relator, ainda que a destituição do poder familiar revele-se medida extrema, cabível apenas quando em jogo a integridade física e/ou psicológica da criança ou adolescente, a negligência, a apatia e a falta de amor são manifestações de violação às prerrogativas dos menores e dos deveres decorrentes do poder familiar. “Não se exige propriamente a violência física para entender uma situação de risco quando em cheque direitos fundamentais reconhecidos à infância e à juventude”.
Em seu voto, o desembargador afirmou que o desinteresse por parte do genitor e sua companheira (madrasta das crianças) mostrou-se mais perigoso do que de costume, quando o casal tratou com desídia a delicada situação de saúde de uma das crianças. Além disso, o comportamento da figura materna, no caso a tia-madrasta, repercute na psique das crianças preteridas, segundo o magistrado, “comprometendo muitas vezes o aprendizado, o desenvolvimento cognitivo, emocional, a autoestima e até mesmo o estado imunológico do ser humano ainda em processo de formação”.
O desembargador interpretou a postura dos envolvidos como abandono afetivo e considerou a destituição do poder familiar, segundo ele, a opção mais acertada de acordo com o prisma do melhor interesse da criança. “Eis o ponto crucial a ser priorizado: esses infantes merecem a chance de encontrar uma família bem ajustada, consciente acerca das necessidades mais elementares de saúde e higiene e pronta a lhes fornecer a devida assistência médica, bem como o suporte emocional e espiritual, tão importantes para um crescimento sadio, humano e digno. Esses meninos merecem ser amados por uma mãe de verdade. Merecem experimentar um amor de mãe e não de tia (seja lá o que isso significar)”, disse.
Para a advogada Camila Edith da Silva, membro do IBDFAM, a decisão foi assertiva, “demonstrando uma competência emocional muito avançada para o caso concreto”. Segundo ela, apesar do que a ministra Fátima Nancy Andrighi (CNJ) disse em julgado de 2012: “Amar é faculdade, cuidar é dever”, essa decisão demonstra que quando se trata de criança e de adolescente “temos que esgotar todas as tentativas para proporcionar, principalmente aos que estão em fase de desenvolvimento, a experiência de conhecerem o amor e serem amados, para mais tarde passar a diante esse amor”.
Ela considerou importante o trabalho desenvolvido pelas equipes multidisciplinares -assistente social, psicólogos, conselheiros tutelares - e até mesmo pelos vizinhos que denunciaram os abusos que as crianças vinham sofrendo, “pois demonstraram que estão cumprindo com um dever que é de todos, ou seja, dar proteção e assegurar com prioridade os direitos das crianças e dos adolescentes, conforme artigo 4º, da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990”, reflete.
Perda do poder familiar – O desembargador Ronei Danielli afirmou que o poder familiar é, antes de prerrogativa dos pais, um dever em relação aos filhos. A destituição do poder familiar é uma medida extrema, segundo a advogada Camila da Silva, porque toda criança e adolescente têm o direito de conviver na sua família de origem, com sua comunidade. “Imaginem no Brasil, onde temos extrema desigualdade social, onde pais poderiam sofrer a destituição do poder familiar por terem parcas condições, e o perfil de seus filhos se encaixarem no perfil de criança procurada por uma família adotante? Esse exemplo é um dos muitos que poderiam vir a prejudicar o desenvolvimento sadio das crianças e dos adolescentes com sua família de origem”, expõe.
O Código Civil de 2002 traz as hipóteses que ocasionam a destituição do Poder Familiar. São elas: castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nessas faltas. A advogada destaca que são previstas outras hipóteses. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, caso os pais descumpram os deveres que lhes são atribuídos, como os de guarda, sustento e educação dos filhos menores de idade, também ocorrerá a destituição do poder familiar.
“Percebe-se, desta maneira, que a intenção do legislador é proteger a Criança e o Adolescente de todos os atos de seus genitores que possam ser nocivos ao seu desenvolvimento, visando o cumprimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral e do melhor interesse da Criança e do Adolescente, previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, ressalta.
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