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Suprema Corte dos Estados Unidos legaliza o casamento gay em todo o país
Na última sexta-feira, 29, a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. A Corte declarou inconstitucionais as leis que proíbem o matrimônio homoafetivo em vários Estados norte-americanos. Por seu alcance, a sentença é comparada com a que em 1954 tornou ilegal a segregação racial nas escolas, ou com a que consagrou o direito das mulheres ao aborto, abrindo caminho para que as pessoas do mesmo sexo possam se casar nos 50 Estados norte-americanos. A decisão veio por cinco votos contra quatro.
A sentença estabelece que os Estados agora são obrigados a conceder certidões de casamento a casais do mesmo sexo, com base na 14ª Emenda à Constituição, que garante a igualdade de todos os cidadãos perante a Lei. O juiz Anthony Kennedy afirmou que o argumento dos demandantes na sentença é que o pleno direito ao matrimônio é exigido por profundo respeito a este tipo de união.
O Tribunal afirmou que o casamento tem sido uma instituição central na sociedade desde os tempos antigos, mas não está isolado das evoluções no Direito e na sociedade. Com isso, ao excluir casais do mesmo sexo do casamento, se nega a eles todos os benefícios que os Estados relacionaram ao casamento. O Tribunal ainda acrescentou que o casamento encarna um amor que pode perdurar até mesmo após a morte e seria um equívoco dizer que os homoafetivos desrespeitam a ideia do casamento, pois eles pedem direitos iguais aos olhos da Lei e a Constituição lhes concede este direito.
Durante dez anos, o casamento homossexual era legalizado em apenas um Estado, e os principais líderes democratas e republicanos eram contra, e para os futuros candidatos, se opor à união gay trazia mais eleitores. Mais tarde, o matrimônio passou a ser legalizado em 36 Estados e o Governo Federal reconhecia o casamento do mesmo sexo para efeitos administrativos, como o pagamento de impostos e recrutamento de gays e lésbicas nas Forças Armadas.
A decisão não entra em vigor imediatamente, porque a Suprema Corte concede ao litigante que perdeu o caso aproximadamente três semanas para solicitar uma reconsideração. O caso analisado pela decisão se referia aos Estados de Kentucky, Michigan, Ohio e Tennessee, onde o casamento é definido como a união entre um homem e uma mulher. O representante da ação na Justiça foi um homem que viveu 21 anos com seu companheiro em Ohio, e queria que o casamento fosse formalmente reconhecido na certidão de óbito do companheiro, quando ele morresse. O companheiro tinha esclerose lateral amiotrófica e os dois chegaram a se casar em outro Estado, mas a união não era reconhecida em Ohio. A história do casal consolidou os casos de 19 homens e 12 mulheres, de outros quatro Estados. Há dois anos, a Suprema Corte anulou parte da lei federal contra o casamento gay, que negava uma série de benefícios governamentais para os casais do mesmo sexo que tinham se casado legalmente.
Celebração da decisão – Para comemorar a determinação dos juízes, centenas de pessoas se reuniram nos arredores da Suprema Corte, no centro de Washington. Conforme a agência de notícias EFE, o governo do presidente Barack Obama já havia manifestado sua postura a favor do casamento homossexual depois que, pela primeira vez, o próprio líder declarou apoio à causa em 2012. Obama disse no Twitter que a aprovação é um grande passo para a igualdade de direitos e significa uma vitória para a América. A pré-candidata democrata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, também comemorou a decisão em seu perfil na rede social.
Respeito à diversidade sexual - A advogada Marianna Chaves, diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), observa a decisão com extrema alegria, pois a maior potência mundial reconheceu a possibilidade do casamento homoafetivo em nível federal depois de um longo processo, que culminou com esse julgamento do caso Obergefell v. Hodges na Suprema Corte.
Segundo a advogada, esse longo caminho teve início no Estado do Massachusetts, que foi o primeiro a autorizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo com a decisão do caso Goodridge v. Department of Public Health,em 2003. “Depois, pouco a pouco, os Estados foram editando legislações estaduais que permitiam o casamento. Mas, ainda assim, os pares do mesmo sexo - mesmo casados civilmente - ainda estavam sujeitos a um estatuto jurídico diferenciado, por dois motivos: primeiro, porque os Estados que ainda não tinham o casamento permitido reconheciam os casamentos homoafetivos como outras figuras cuja tutela era mais débil (uniões civis, parcerias domésticas, beneficiários recíprocos etc.); e depois, porque existia uma Lei federal chamada DOMA (Defense of Marriage Act), que impedia que os casais homossexuais tivessem acesso a benefícios federais porque essa legislação definia o casamento como sendo entre homem e mulher. E essa Lei só foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte em 2013, no caso United States v. Windsor”, explica.
De acordo com Marianna Chaves, para a população LGBTI dos EUA, essa decisão significa o alcance, afinal, da igualdade, pois finalmente a pluralidade familiar e o respeito à diversidade sexual foram respeitados em todos os níveis e a dignidade humana desses casais, respeitada. “Em nível mundial, a decisão também tem extrema importância, inclusive para nós, no Brasil. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como união estável. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, não houve uma palavra sobre casamento. Mas pela própria redação da Constituição e do Código Civil, o casamento por conversão passou a ser possível automaticamente, um efeito direto da decisão. Em outubro do mesmo ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que o casamento homoafetivo direto era, sim, possível. Esse leading case constituiu um precedente importante, mas não tinha o caráter vinculante da decisão do STF. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que proíbe os cartórios e as autoridades competentes de se negarem a habilitar os casais do mesmo sexo, converter ou celebrar casamentos homoafetivos. Essa resolução é passível de revogação. O então presidente do STF, Ministro Antonio Cezar Peluso, conclamou o legislativo a legislar sobre a matéria, no final do julgamento de 2011. Para que não houvesse acusações de ativismo judicial que perduram até hoje”, esclarece.
Conforme a advogada, no último pleito eleitoral foi possível ver o quanto a diversidade sexual é rejeitada pelos grupos conservadores e apoiada com muita timidez pelos outros, com medo de desagradarem o eleitorado e perderem votos. “Aí é que entra a importância da decisão dos EUA para nós. Sempre tivemos uma enorme dificuldade de ver qualquer político ou agente do setor público em se posicionar em prol dos direitos LGBT. E com a decisão da Suprema Corte dos EUA, vimos o Palácio do Planalto e até mesmo a Presidente Dilma mudar o seu perfil, em apoio à decisão. Reparem que efeito simbólico incrível! O mundo inteiro (incluindo empresas e órgãos públicos do Brasil) mudaram a sua foto de perfil nas redes sociais para demonstrar apoio à causa. Foi um marco importante, uma quebra de paradigma e demonstração formal de simpatia à causa que não pode ser revertida. Estava para quem quisesse ver. Essa demonstração pública - em nível mundial e brasileiro - de tolerância, é extremamente significativa e valorosa. Vindo de uma potência mundial e também pelo fato de ter sido o país mais populoso a aprovar essa questão, a decisão dos EUA certamente influenciará outros países”, argumenta.
Marianna Chaves aponta que em nível federal, durante muito tempo o maior entrave a essa decisão era o Defense of Marriage Act, que definia o casamento como sendo entre homem e mulher. “Penso que depois que essa legislação foi derrubada e também o fato de mais de 2/3 dos Estados dos EUA já terem se manifestado em favor do casamento homoafetivo pesou na decisão dos Justices. Mas note-se que por ser um país enorme, com uma gigante diversidade cultural, os EUA ainda têm lugares muito conservadores. Por exemplo, há poucos dias, no Texas, um juiz negou o pleito de dupla paternidade de um casal casado no civil e que eram pais biológicos dos dois bebês tidos por maternidade de substituição. Essa decisão será muito importante principalmente para os casais que vivem nas zonas mais anacrônicas e reacionárias dos EUA”, disse.
A advogada afirma que não existe a possibilidade da não aplicação desta decisão nos Estados contrários ao casamento homoafetivo. “O processo questionava se a 14ª Emenda da Constituição dos EUA requeria que todos os Estados norte-americanos concedessem licença para o casamento ou reconhecesse os casamentos que tivessem sido celebrados em outros Estados. A resposta foi positiva. É dada à parte vencida a possibilidade de solicitar uma reconsideração à Corte. Dificilmente haverá uma reversão dessa decisão. No momento em que ela for confirmada, todos os Estados estarão obrigados a cumprir esta determinação, já que a Corte reconheceu um direito constitucional de todos, independentemente de orientação sexual, ao casamento. Os precedentes da Suprema Corte são vinculantes, obrigando as demais instâncias judiciárias a seguirem aquele entendimento”, completa.
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