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TJSC reduz formalismo e valida testamento de próprio punho que concede herança para viúva
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou a validade e determinou o cumprimento dos termos de um testamento particular, escrito de próprio punho, por um homem, agora falecido, para a esposa, ainda que não observados todos os requisitos da lei civil. Dentro do livre convencimento atribuído ao juiz e à Câmara, ambos vislumbraram carga de provas fortes o suficiente para declará-lo legítimo.
Os apelantes, netos do falecido, inconformados com a decisão do juiz da comarca, recorreram para dizer que a viúva assinou contratos de previdência privada que envolveram quase 70% do patrimônio partilhado pelo casal, com o único objetivo de beneficiar determinados herdeiros em prejuízo dos restantes. Acrescentaram que um dos planos, no valor total de R$ 523 mil, já foi resgatado em 2013, sem que a ré tenha prestado qualquer informação nos autos do inventário, o que configuraria fraude. Os apelantes argumentaram que os contratos foram firmados sem a autorização do avô e que isso contraria a vontade tácita do falecido, pois posteriores ao óbito e nulos porque já aberta a sucessão. Todas as alegações dos netos do falecido foram desconsideradas pela Câmara e os desembargadores afirmaram que os quatro contratos de previdência foram feitos antes da morte do testador, sem necessidade de sua concessão.
Apesar de tudo isso, a conta corrente era conjunta e todos os comprovantes de movimentações foram trazidos ao processo de inventário, não aparecendo nenhum prejuízo aos demais herdeiros. Quanto à validade do testamento, o desembargador substituto e relator da matéria, Jorge Luis Beber, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), esclareceu que não há nulidade do ato de disposição de última vontade por ter sido feito sem idade essencial, quando as provas dos autos confirmam, de forma inequívoca, que o documento foi firmado pelo próprio testador, por livre e espontânea vontade, e confirmado por três testemunhas idôneas.
Segundo Jorge Luis Beber, o rigor formal deve ceder diante da necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador. De acordo com o processo, o falecido estava ciente, lúcido e com saúde física e mental, bem como leu o texto para uma testemunha. Sua assinatura foi reconhecida em tabelionato. Esses detalhes favoreceram a viúva, pois atualmente tem-se admitido, para fins de confirmação, alguma redução do nível das formalidades intrínsecas do testamento particular. Jorge Luis Beber encerrou explicando ainda que notadamente estão presentes, no processo respectivo, elementos aptos a atestar a autenticidade do ato, bem como a veracidade da manifestação de vontade do testador.
Regras para a realização de testamento - Para a tabeliã de notas Priscila Agapito, presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM, a decisão foi acertada, tendo em vista o conjunto probatório. Segundo ela, o artigo 1.876 do Código Civil exige que o testamento particular (feito pelo próprio testador de próprio punho ou por processo mecânico) seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelos menos 3 testemunhas, que o devem subscrever. “No caso presente, o testamento teria sido escrito de próprio punho e assinado pelo testador, porém na presença de apenas uma testemunha. As duas outras teriam assinado posteriormente, sem conhecer a fundo o teor do instrumento. O testador reconheceu firma de sua assinatura perante uma tabeliã de notas. O artigo 1.878 do Código Civil, em seu parágrafo único, diz que, se ao menos uma testemunha reconhecer o testamento, ele poderá ser confirmado, a critério do juiz. Foi o entendimento do Judiciário neste caso concreto. Apesar de quebra da formalidade (leitura e subscrição na presença de apenas uma testemunha), a Turma entendeu que haviam provas robustas da vontade do testador e que era possível adaptar o testamento para que fossem cumpridos os desejos do morto”, explica.
De acordo com Priscila Agapito, na situação dos autos, o falecido tinha herdeiros descendentes ou necessários e deixou a integralidade da herança para a viúva. “Como isso não é possível, vez que ele só poderia dispor de metade do que possuía, (parte disponível), a Câmara julgadora reduziu a deixa, limitando à parte disponível, interpretando, dentro do lícito e possível, a vontade do testador. Existe mesmo uma tendência na jurisprudência pátria de ser sobreposta a vontade do testador sobre as meras formalidades legais. O próprio artigo 1.899 do Código Civil diz que quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador. Foi o que ocorreu no presente caso. Aplicou-se o princípio de que, na interpretação do testamento, considera-se mais o desejo do que a forma”, esclarece.
A tabeliã aponta que nada disso teria acontecido se o testador tivesse procurado um tabelião e feito o seu testamento de maneira pública. Segundo ela, o tabelião teria observado que o desejo dele não estava de acordo com as regras legais e o teria orientado a fazer da maneira correta, o que tornaria praticamente impossível uma contestação post mortem. “Para a realização do testamento particular, as exigências são: ser feito e assinado pelo próprio testador, na presença de 3 testemunhas, que devem presenciar a leitura e também assinar a cédula. Morto o testador, ao menos uma das testemunhas precisa confirmar a vontade do de cujus em juízo. Já o testamento público é o feito perante um tabelião de notas, que o escreverá em seu livro de notas, lavrando-o na presença do testador e de apenas duas testemunhas. No testamento público, as testemunhas não precisam ir a Juízo posteriormente confirmar a vontade do testador, porque o notário possui fé pública e quando da lavratura já atestou a capacidade civil e jurídica do testador, bem como a inexistência de defeitos do negócio jurídico. As testemunhas podem ser eventualmente chamadas pelo juiz, mas apenas se houver alguma contestação. Há indubitável maior segurança jurídica na opção pelo testamento público, pois todo ato praticado em cartório tem por escopo a prevenção de litígios”, disse.
Conforme Priscila Agapito, o caso estudado é um clássico exemplo de como a atuação do notário poderia ter eliminado contestações futuras. De acordo com ela, existe ainda no sistema brasileiro a figura do testamento cerrado, aquele no qual o testador o faz de maneira particular e leva ao notário na presença de duas testemunhas para que o tabelião apenas o aprove, ou seja, “vai assinar sem ler o testamento, guardá-lo em um envelope, coser, cerrar e devolver ao testador. O tabelião fará uma ata notarial em seu livro, dizendo que naquela data o testador apresentou-lhe um testamento e após as formalidades o levou consigo embora. É uma modalidade de testamento totalmente em desuso, porque frágil. Rompido o lacre do envelope, antes da morte do testador ou por outra pessoa, que não o juiz da ação de registro de testamento, ele perde a validade como testamento cerrado. Também não há leitura por parte do tabelião para saber se as disposições feitas pelo testador estão dentro da lei. Indicamos, portanto, a modalidade de testamento público. No Estado de São Paulo, este serviço custa R$1.321,39 em qualquer tabelionato de notas. O valor é tabelado por lei estadual e só é devido quando da lavratura. Toda orientação prévia no tabelionato é gratuita”, argumenta.
Por fim, Priscila Agapito expõe que quem possui descendentes, ascendentes ou cônjuge, ou seja, herdeiros necessários, pode dispor em testamento sobre até a metade do que possui. É o que se chama de “parte disponível”. Segundo ela, a outra metade do patrimônio é a legítima dos herdeiros necessários e deve ser a eles resguardada. “Se inexistirem herdeiros necessários, a pessoa pode dispor de 100% de seu patrimônio por testamento. Se a pessoa falecer sem deixar um testamento ab intestato será aplicada a regra da sucessão da lei, ou seja: se possuir descendentes, a herança vai primeiramente para estes (havendo o viúvo, dependendo do regime de bens, além da meação a que ele faz jus, ele terá uma participação na herança destes descendentes sobre os bens particulares do falecido. É o que chamamos de ‘concorrência sucessória do cônjuge’). Se o falecido não tiver descendentes, sua herança vai para os ascendentes, também com participação do cônjuge; mas aqui, o regime de bens não importa; haverá participação (concorrência do cônjuge) sempre. Se não deixar nem descendentes nem ascendentes, a herança vai integralmente para o cônjuge sobrevivo, e na falta de cônjuge a herança vai para os colaterais. Se não houver nenhum parente sucessível, a herança será arrecadada ao Município, após processo de vacância e jacência”, completa.
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