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Concubinato de longa duração gera dever de prestação alimentar, decide STJ
No último dia 20, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso interposto por um homem contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que o condenou a pagar alimentos no valor equivalente a 2,5 (dois e meio) salários mínimos mensais para a mulher que conviveu com ele em relacionamento paralelo ao casamento durante 40 anos.
No caso, a mulher, já idosa, desistiu de sua atividade profissional ainda na juventude, para dedicar-se ao homem; este, ao longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso paralelo ao casamento, proveu espontaneamente o sustento da mulher. O TJRS entendeu que “se o réu optou por sustentá-la, desde quando ainda era jovem, bonita e saudável, muito mais o deve agora, quando surgem os problemas de saúde em decorrência da idade avançada, sendo impossível o ingresso no mercado de trabalho”.
No recurso especial enviado pelo homem ao STJ, ele sustentou a violação do artigo 535, I e II, do Código de Processo Civil, visto que o TJRS não emitiu nenhum pronunciamento sobre a alegada inexistência de amparo para a condenação à prestação de alimentos à parte recorrida, tendo em vista o reconhecimento de caracterização apenas de concubinato impuro, e não de união estável; afronta aos artigos 1.694, caput e o parágrafo 1º, 1.695 e 1.727 do Código Civil, pois não se pode atribuir consequências idênticas ao concubinato impuro e à união estável e, ainda, dissídio jurisprudencial.
Segundo o ministro relator, João Otávio de Noronha, de regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, ainda que de longa duração, não gera o dever de prestar alimentos à concubina, “pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo”. No entanto, dada a peculiaridade do caso e considerando os princípios da dignidade e solidariedade humanas, o ministro reconheceu que deve ser mantida a obrigação de prestação de alimentos à concubina idosa, que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, principalmente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer risco de desestruturação familiar para o prestador de alimentos. O ministro não reconheceu o dissídio jurisprudencial e afastou a ofensa ao artigo 535 do CPC.
Para o advogado Euclides de Oliveira, conselheiro do IBDFAM/SP, a decisão é justa e “muito sensível”, por ter estendido à concubina o direito a alimentos, atendendo às peculiaridades do caso, que foi submetido a julgamento. Segundo ele, o ministro João Otávio Noronha faz bem a distinção entre companheira e concubina.
“Rejeita as razões do recurso, que apontavam afronta aos artigos do Código Civil, em especial ao art. 1.694, relativos à obrigação alimentar. Considera o longo tempo da união afetiva, a dependência econômica da mulher, que até parou de trabalhar para atender ao concubino, e o fato de já contar idade avançada, sem condição alguma para serviços que lhe proporcionassem auto-sustento. Se fosse aplicar a letra fria do artigo citado, que somente prevê alimentos entre parentes, cônjuges e companheiros, o Tribunal estaria cometendo uma violação aos princípios do respeito à dignidade da pessoa humana e da solidariedade imperante no Direito de Família”, reflete.
Obrigação alimentar- No que concerne à alegada contrariedade aos artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil, o homem argumentou que ela decorreria do fato de ter sido reconhecida a existência de concubinato entre as partes, já desfeito, e que os referidos dispositivos só fazem menção ao direito alimentar entre parentes, cônjuges ou companheiros.
Para João Otávio de Noronha, a questão alimentar não está restrita a dois dispositivos isolados do Código Civil; há várias outras referências ao tema, por exemplo, no capítulo que trata da responsabilidade civil (art. 948, II) e no que dispõe sobre os atos unilaterais/gestão de negócios (art. 871).
“Está claro que o direito alimentar é muito mais amplo do que supõe o recorrente, exigindo cautela por parte do julgador, que deve encontrar o ponto exato de equilíbrio, seja para fixar, seja para afastar o dever de alimentar ou o de prover o sustento de determinada pessoa”, disse.
O ministro considerou que as peculiaridades tornam o caso excepcionalíssimo e que, portanto, não se tratada aplicação da letra pura e simples da Lei, pois essas singularidades demonstram a incidência simultânea de mais de um princípio no caso concreto, o da preservação da família da solidariedade e da digidade da pessoa humana, que devem ser avaliados para se verificar qual deve reger o caso concreto.
Concubinato ou união estável? - Euclides de Oliveira explica que a decisão tratou o caso como concubinato, e não como uma união estável paralela ao casamento, porque se tratava de relacionamento fora de um casamento preservado, “na figuração típica de um triângulo amoroso (ligação ilícita, ménage a trois)”.
“Ao que consta do histórico, o homem era casado e mantinha essa união civil, ao mesmo tempo em que se relacionava com outra mulher. União estável paralela ao casamento somente existe quando os casados estejam separados de fato (art. 1.723, par. 1., do CC), ainda que não sejam divorciados nem separados judicialmente”, disse.
No entanto, Euclides destaca que a menção a “concubinato impuro” não mais se justifica no atual panorama jurídico, que distingue a união estável do concubinato. “Falava-se, antes, em impuro o concubinato de pessoa casada, reservando-se a denominação de concubinato puro para os antigos companheiros, isto é, homem e mulher desimpedidos que mantinham uma união não oficial. Essa situação de companheiros, que não tinha previsão legal antes das leis da união estável, hoje confunde-se com esta forma de entidade familiar. O que não se encaixar no modelo do art. 1.723 do Código Civil é, simplesmente, concubinato, conforme a regra do artigo 1.727 do mesmo Código”.
Preservação da família- Noronha destacou que a relação extraconjugal, desfeita depois de mais de quarenta anos, não pode acarretar dano ou prejuízo à família do homem, pois “Que família, a esta altura, tem-se a preservar?”, indagou o ministro. Ainda, segundo Noronha, “se o homem, espontaneamente, proveu o sustento da mulher durante esse longo período de relacionamento amoroso, por que, agora, quando ela já é septuagenária, deve ficar desamparada e desassistida?”
Segundo o ministro, a resposta às suas indagações surge “claramente” dos autos. “Ficou evidenciada, com o decurso do tempo, a inexistência de risco à desestruturação da família do recorrente, bem como a possibilidade de exposição de pessoa já idosa a desamparo financeiro, tendo em vista que foi o próprio recorrente quem proveu o sustento, o que vale dizer que foi ele quem deu ensejo a essa situação e não pode, agora, beneficiar-se dos próprios atos. É evidente que, no caso específico, há uma convergência de princípios, de modo que é preciso conciliá-los para aplicar aqueles adequados a embasar a decisão, a saber, os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, pelas razões já exaustivamente expostas”.
Euclides de Oliveira destaca, ainda, que esta menção à preservação da família se faz por referência à união estável. “Isso está na Constituição Federal, artigo 226, com o acréscimo de que também constitui família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Mesmo afastando a figura do concubinato do quadro de família, o acórdão, no entanto, resolve que esta união, com as peculiaridades observadas quanto ao tempo de duração e outras, merece proteção jurídica e, por isso, manteve a decisão concessiva de alimentos à concubina”.
Esta matéria se refere ao RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.337 - RS (2010/0048151-3)
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