Notícias
Direito de Família: a experiência do Acre
Em entrevista ao IBDF@M, o presidente do IBDFAM Acre, Danniel Gustavo Bomfim fala sobre o direito de família na região norte, a influência da cultura indígena e as implicações que uma região de fronteira traz para o direito.
Que tipo de conflito de família é mais recorrente na região norte do país, em especial no Estado do Acre?
Os conflitos familiares existentes na região norte não são muito diferentes das demais regiões do país, o que se verifica em razão da mudança na configuração da família contemporânea assim como ocorre em todo o Brasil.
Na região norte, já podemos identificar diversas configurações familiares: famílias monoparentais, famílias homoafetivas; famílias formadas por netos e avós, famílias formadas por crianças cuidadas por seus irmãos também menores de idade(muito comum no interior do estado e na zona rural pois os pais precisam trabalhar na roça sem ter com quem deixar seus filhos), crianças criadas por professoras e vizinhos que assumem o papel dos pais enquanto estes trabalham fora e deixam seus filhos aos cuidados de creches e escolas; famílias poliparentais, onde as crianças são criadas com duas mães ou com dois pais e crianças órfãs ou adotadas.
Dessas novas formas de família surgem as demandas genéricas /ordinárias de direito de família como àquelas relacionadas ao divórcio, reconhecimento e dissolução de união estável, partilha de bens, guarda e direito de visitas e à prestação de alimentos, como também as relacionadas a investigação e reconhecimento de paternidade.
Quais são seus maiores desafios?
O que se verifica, talvez com maior frequência que nas demais regiões do País, é o grande número de registro de nascimento sem paternidade estabelecida, implicando em um alto número de investigações de paternidade. Com a implantação do projeto Pai Presente esse número tende a diminuir, pois a mãe já indica o nome e endereço do suposto pai que é notificado e pode reconhecer espontaneamente a paternidade, não ocorrendo o reconhecimento, a demanda é judicializada para ter prosseguimento com a ação de investigação de paternidade.
Outra ocorrência frequente na região norte e no Estado do Acre é o subregistro civil. Grande número de pessoas adultas, maiores de 30 anos, não têm registro de nascimento. É inacreditável o número de pessoas que procuram o fórum com mais de 30 anos sem nunca ter tirado um documento sequer. Uma causa identificada do subregistro é em razão da grande parte da população residir na zona rural, em seringais de difícil acesso e negligenciam a sua identificação civil. São comunidades rurícolas que trabalham em regime de economia familiar, muitos não foram escolarizados e não sentem necessidade de tirar seus documentos, quando chega perto de se aposentarem ou requererem um benefício assistencial, procuram tirar seus documentos. O Tribunal de Justiça do Estado do Acre junto com alguns parceiros, tenta diminuir o subregistro existente com um projeto denominado Projeto cidadão que leva cidadania através de ações sociais de forma itinerante a localidades de difícil acesso no Estado do Acre.
A violência contra a mulher ainda é o maior problema?
A violência doméstica ainda é um desafio, os números da central de atendimento à mulher da secretaria de políticas para mulheres, demonstram que o Acre está acima da média nacional nas lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica e familiar, em mais da metade dos casos, os agressores são maridos, companheiros, parentes, ou pessoas próximas. Há registros também que, em mais da metade dos casos, os filhos presenciam a violência o que gera a desestruturação da entidade familiar, devendo ser adotadas políticas públicas para diminuir esses números.
O álcool e as drogas associados às crises conjugais e a cultura machista presente na sociedade, são vetores da violência doméstica e familiar.
A comunidade indígena ainda é bastante presente no Acre. Que influência essa cultura tem na composição familiar?
Ao contrário do que se pensa, não tem como determinar, especificamente, qual influência tem a cultura indígena na composição familiar acreana, porque a cultura indígena é muito diversificada existindo por volta de dezesseis etnias indígenas conhecidas: Ashaninka, Jaminawa Arara, Katukina, Poyanawa, Madija, Manchineri, Apolima Arara, Jaminawa, Kaxinawá, Nawa, Nukini, Yawanawá, Apolima, Kaxarari, Shanenawa e Arara, sem falar nos povos indígenas isolados, cada uma com sua característica. Podemos destacar, contudo, algumas influências da cultura indígena na composição da família como: a participação da mulher no trabalho rural como é típico da cultura indígena na agricultura de roça e de capoeira, inclusive com o trabalho infantil, onde toda família participa do processo de produção. O respeito aos mais velhos que servem como conselheiros e para transmitir tradições.
A presença dos índios na zona urbana traz mais e más influências para a família indígena do que para a família de brancos. Com a proximidade com a cidade, os índios registram grande consumo de álcool, aumentando a taxa de homicídio e suicídio.
Quais são as implicações de ser uma região de fronteira?
Por se tratar de uma região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia) somos afetados pelo problema do tráfico e uso de drogas que entra nas famílias e as destrói. Grande parte, quase 90% dos casos de atos infracionais cometidos por adolescentes e crianças tem relação com o uso e tráfico de drogas. Grande parte deles, análogos aos crimes contra o patrimônio previsto no código penal, muitas vezes para sustentar o vício da droga, resultam no aumento da evasão escolar e violência doméstica. A extensa faixa de fronteira existente com os dois países maiores produtores de cocaína, Peru e Bolívia, somada a fragilidade pela pouca fiscalização, resultam num acesso mais fácil e barato à droga.
Outro fato curioso que ocorre na região de fronteira do Acre e que tem relação com o direito é, em razão do grande número de estrangeiros em sua maioria bolivianos e peruanos, na “nacionalização brasileira às avessas”. Como o critério adotado pelo Estado Brasileiro é o jus solis, esses estrangeiros pretendem se nacionalizar brasileiros na marra, utilizando-se do requerimento de registro de nascimento tardio, hipótese prevista na lei de registros públicos, para, de posse de duas testemunhas, declarar perante o Juiz que nasceu em território brasileiro. Esses processos demandam bastante atenção do magistrado na sua instrução para não negar direito fundamental ao registro de brasileiros que verdadeiramente nasceram em solo brasileiro, e por outro lado, para negar o registro aos estrangeiros a fim de não consolidar uma fraude praticada pelos estrangeiros que vêm em busca dos benefícios assistenciais/previdenciários existentes no lado brasileiro.
O Brasil possui um imaginário sobre a região norte e um desconhecimento sobre o Acre. Você acha que as iniciativas e ações do Acre tem a devida repercussão no país?
Existe uma lacuna e um desconhecimento sobre a região norte pelo resto do país que precisa ser melhor explorado, tanto que a realidade existente não corresponde exatamente ao imaginário popular, sempre ocorrendo boas surpresas. O Acre, que abriga o ponto mais extremo oeste do Brasil, é uma região de diversidades, o grande número de colonizadores vindos de todas as partes do Brasil, em busca da intensa atividade extrativista do ciclo da borracha à época, fizeram da cultura acreana uma mistura de sulistas, nortistas, paulistas,nordestinos e indígenas chegando a combinar o chimarrão, o teréré, o churrasco, a macaxeira, a carne de sol e o tacacá.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br