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TRF-5 mantém decisão que garante permanência de criança no Brasil com a mãe
Atualizado em 11/12/2025
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5 garantiu a uma mulher vítima de violência doméstica o direito de permanecer no Brasil com a filha. O colegiado manteve a decisão da 2ª Vara Federal de Pernambuco, que já havia rejeitado o pedido para o retorno imediato da criança a Portugal, seu país de residência habitual, após ter sido trazida ao Brasil sem a anuência do pai.
O genitor havia solicitado o retorno imediato da filha a Portugal com base na Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia). Na ação, alegou que a genitora trouxe a filha ao Brasil sem sua autorização, o que configuraria retenção ilícita.
Na origem, o juízo reconheceu que, embora a Convenção da Haia determine o retorno rápido da criança em casos de transferência ilícita, havia elementos suficientes que indicavam risco grave de dano psicológico caso a menina retornasse ao ambiente familiar anterior, marcado por conflitos e episódios de violência doméstica alegados pela mãe.
O relator do caso destacou que um estudo social do Núcleo de Apoio Psicossocial – NAP, anexado ao processo, mostrou que a menina, então com 9 anos, demonstrava ansiedade diante da possibilidade de voltar a viver com o pai no exterior. O relatório também apontou que ela se sentia mais segura ao lado da mãe e de familiares no Brasil, o que reforçou o entendimento de risco emocional em caso de retorno compulsório.
Segundo o desembargador, situações de agressões e conflitos dirigidos à mãe impactam diretamente a criança, configurando violência psíquica e afetando seu equilíbrio emocional. O magistrado também ressaltou que a criança já está adaptada à rotina no Brasil, mantém contato frequente com o pai, está bem integrada à escola e encontra apoio na convivência com a mãe.
“O interesse da criança e o dever constitucional de colocá-la a salvo de toda forma de violência e opressão justificam a prevalência da exceção convencional, concretizando a finalidade protetiva do tratado internacional, diante de um cenário de instabilidade emocional e risco concreto à integridade psíquica da criança”, apontou o relator.
A Quinta Turma também aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e firmou a tese de que “a exceção de risco grave à criança, prevista no artigo 13, alínea 'b', da Convenção da Haia de 1980, deve ser aplicada quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a genitora, configurando risco de dano psíquico à menor, em observância ao princípio do melhor interesse da criança”.
Ainda conforme o entendimento, “a ausência de provas diretas da violência contra a criança não afasta o risco grave quando o contexto familiar for marcado por violência contra a genitora. O retorno internacional não se impõe quando demonstrada a ruptura do ambiente doméstico seguro no país de residência habitual".
Proteção
Vice-presidente nacional do IBDFAM, a jurista Maria Berenice Dias reconhece a importância da decisão, tendo em vista que até o presente momento havia uma determinação quase automática do retorno caso houvesse pedido feito pelo genitor a menos de um ano do afastamento. “Ou seja, as crianças eram tratadas como objeto.”
Maria Berenice Dias proferiu sustentação oral no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7686, que questionou uma norma da Convenção da Haia e pretende impedir a repatriação em casos de suspeita de violência doméstica, pelo Supremo Tribunal Federal – STF. O Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM atuou como amicus curiae.
Segundo a jurista, sempre houve posições contraditórias entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal sobre este cenário, o que levava até a decisões conflituantes. “Esta postura da Justiça Federal acabou recebendo alguns abrandamentos porque os processos começaram a, paralelamente a esta ação de repatriação no STF, também ingressar na Justiça Estadual com pedidos de concessão da permanência da criança no Brasil, sob alegação das circunstâncias em que ela teria vindo”, observa.
Na ação, lembra Maria Berenice Dias, o Supremo Tribunal Federal, “de uma maneira absolutamente inovadora, acabou se posicionando no sentido de que a violência doméstica, praticada contra a mãe da criança, acaba sendo uma violência contra o filho. Isso impede a imposição do retorno da criança”.
“É imperioso se atentar, que quando houve, na década de 1980, a ratificação da Convenção da Haia, não havia toda esta proteção e essas legislações protetivas com relação à mulher. Em nenhum momento, naquela época, entrou essa questão da violência, porque não se falava na convivência das crianças com os pais, apenas se aplicava a Convenção”, observa a especialista.
A jurista avalia que a decisão do TRF-5 também prioriza a Constituição, no que se refere a preservar de maneira absoluta o melhor interesse da criança. “O melhor interesse da criança de fato não é ficar com o agressor”, conclui.
Por Débora Anunciação
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