Notícias
TJSP confirma maternidade socioafetiva pós-morte e direito sucessório de mulher criada pela tia
Atualizado em 11/12/2025
Decisão reforça a posse de estado de filha e consolida a socioafetividade como fundamento autônomo da filiação
A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a decisão que reconheceu a filiação socioafetiva de uma mulher em relação à tia biológica já falecida, assegurando também sua participação na sucessão como herdeira necessária.
O caso teve início com ação de reconhecimento de filiação socioafetiva cumulada com petição de herança. A autora alegou ter sido criada pela tia desde o nascimento, recebendo dela cuidados, sustento e educação.
A sentença de primeiro grau reconheceu o vínculo afetivo, determinou a inclusão da falecida como mãe no registro de nascimento sem exclusão da maternidade biológica e garantiu à autora o direito sucessório correspondente.
O recurso foi apresentado por outro herdeiro, que contestou a existência da filiação e sustentou que a relação entre as duas seria apenas a natural entre tia e sobrinha. Alegou ainda ausência de provas que indicassem intenção de exercer maternidade, suposto interesse patrimonial e fragilidade dos depoimentos quanto à convivência contínua.
Posse de estado de filha
Ao analisar o recurso, o TJSP concluiu que o conjunto probatório demonstra de forma consistente a posse de estado de filha, caracterizada pela convivência pública, contínua e afetuosa. Documentos, mensagens e testemunhos indicaram que a falecida tratava tanto a autora quanto o irmão dela como filhos – circunstância confirmada pelo próprio réu ao declarar, no registro de óbito, que a tia “possuía dois filhos”.
Para o Tribunal, o vínculo socioafetivo ficou amplamente comprovado, não sendo necessária adoção formal para sua constituição. O relator destacou que a decisão está em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, no Tema 622, que admite a pluriparentalidade e reconhece a equivalência jurídica entre vínculos biológicos e socioafetivos.
Com a manutenção da sentença, o registro de nascimento da autora será retificado para incluir a mãe socioafetiva, e o inventário deverá prosseguir com a participação de ambos os filhos, sob pena de nulidade por preterição de herdeira necessária. O recurso foi negado por unanimidade.
Provas robustas
A advogada Ana Carolina de Morais Guerra, representante da autora e integrante do Escritório Affonso Ferreira Advogados, destaca que o conjunto de provas reunidas foi decisivo para o desfecho do caso.
“O acervo probatório da autora era bem robusto. Além de testemunhas, havia inúmeras mensagens de áudio do réu se referindo à de cujus como ‘nossa mãe’, ‘sua mãe’. Outro ponto relevante foi a declaração do próprio réu ao tabelião, no momento do falecimento, informando que a falecida tinha dois filhos, ele e a autora”, afirma.
Ela avalia que as decisões – tanto em primeira instância quanto no Tribunal – reforçam a segurança jurídica no reconhecimento dos vínculos afetivos, mesmo sem formalização em vida. “Tanto a sentença como o acórdão do TJSP são precedentes importantes, pois demonstram que o laço familiar pode ser reconhecido ainda que não tenha sido oficializado. É o mesmo fundamento aplicado à união estável”, observa.
Critério autônomo de filiação
A professora e advogada Rose Melo Vencelau Meireles, membro da diretoria do IBDFAM-RJ, entende que a decisão consolida a socioafetividade como critério autônomo de estabelecimento da filiação, coexistindo com a ascendência biológica.
“Na prática, significa reconhecer que, diante da ausência de hierarquia entre vínculos biológico e socioafetivo, uma vez caracterizada a filiação afetiva, ela pode ser formalizada independentemente da existência de registro civil de filiação biológica, conforme orientação do STF no Tema 622”, explica.
Ela destaca que adoção e socioafetividade são vias distintas para estabelecer filiação, embora ambas estejam relacionadas ao cuidado.
“Enquanto a adoção exige manifestação formal de vontade por meio de procedimento judicial, a filiação socioafetiva decorre da realidade vivida do exercício contínuo do cuidado e do tratamento como pai, mãe ou filho, conhecido na doutrina como posse de estado de filho. Em casos como o decidido pelo TJSP, essa diferença é fundamental, pois a socioafetividade se configura sem necessidade de declaração expressa”, afirma.
A especialista ressalta que decisões como essa têm impactos diretos nas disputas sucessórias, especialmente quando envolvem parentes próximos, como tios e sobrinhos.
“A repercussão no direito sucessório é evidente: os descendentes, sem distinção de origem, integram a primeira ordem de vocação hereditária, conforme o princípio constitucional da igualdade entre filhos. Sem o reconhecimento da filiação socioafetiva, tios e sobrinhos permanecem na classe dos colaterais e só herdam na ausência de descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro”, conclui.
Processo 1101145-76.2023.8.26.0002
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br