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XV Congresso do IBDFAM celebra o multiculturalismo e reforça a importância do afeto e da diversidade no Direito das Famílias e das Sucessões
Evento reuniu mais de 2 mil participantes em Belo Horizonte e promoveu reflexões sobre inclusão, pluralidade e transformações sociais no âmbito familiar
Como o afeto, a diversidade e a transformação social moldam o presente e o futuro do Direito das Famílias e das Sucessões?
Essa questão norteou o XV Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM, que reuniu, nos dias 29, 30 e 31 de de outubro, mais de 2 mil pessoas no Minascentro, em Belo Horizonte (MG).
Com o tema "Multiculturalismo", o evento, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM, ofereceu palestras exclusivas em dois palcos, um mesacast e estandes interativos, com uma programação diversa formada por 95 palestrantes.
“Falar de multiculturalismo é falar de resistência, inclusão e visibilidade. O Direito não pode mais ser monocultural, excludente ou binário. O Brasil é uma nação construída sobre múltiplas matrizes étnicas, religiosas, linguísticas e afetivas, e ignorar essa complexidade é negar a própria realidade do país. O multiculturalismo nos convida a olhar para os direitos das famílias indígenas, negras, migrantes, trans, multiparentais e daquelas que não se encaixam em modelos tradicionais ou estereotipados”, afirmou Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFAM, no discurso de abertura.

Rodrigo da Cunha Pereira no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
Reconhecer e incluir
O evento recebeu um público recorde que acompanhou atento uma ampla gama de temas que refletiram as transformações nas famílias contemporâneas, como no caso do painel que abordou a importância de um processo judicial inclusivo e o reconhecimento da autonomia das pessoas com deficiência.
O professor e promotor de Justiça Fernando Gaburri, diretor nacional do IBDFAM, destacou a importância de um Judiciário inclusivo, que reconheça a autonomia e a dignidade de todas as pessoas. "A maioria das pessoas não se dirige diretamente à pessoa com deficiência, mas sim a quem a acompanha. Isso tem ocorrido inclusive em processos de curatela, nos quais a comunicação é voltada aos familiares, acompanhantes ou ao próprio curador", declarou.
Essa também foi uma preocupação do planejamento do evento, pensado para priorizar a acessibilidade plena. Para isso, o IBDFAM contou com um consultor especializado que acompanhou todas as etapas de planejamento para garantir a participação efetiva de pessoas com deficiência.
“Nossa preocupação foi tornar o evento acessível a todas as pessoas com deficiência que estivessem presentes. Tivemos dispositivos de frequência para audiodescrição, intérpretes de Libras, equipe de acolhimento, entre outros recursos de acessibilidade. Estamos quebrando barreiras comunicacionais, o que é fundamental em um congresso com tantas palestras e trocas de conhecimento”, afirmou David César, consultor de Acessibilidade do XV Congresso Brasileiro do IBDFAM.
O evento foi planejado e executado de acordo com os padrões de Environmental, Social and Governance – ESG, reforçando o compromisso do IBDFAM com a sustentabilidade, a inclusão e a governança responsável.

Fernando Gaburri no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
Direitos fundamentais e dignidade humana
Para os especialistas que participaram do Congresso, é essencial promover um Direito das Famílias plural e inclusivo, que reconheça as diversas identidades e culturas, combata estigmas e garanta a efetivação dos direitos fundamentais e da dignidade de cada indivíduo.
A advogada Gabriella Andréa Pereira, presidente da Comissão de Diversidade e Inclusão Racial do IBDFAM, trouxe uma reflexão sobre como a história e a ancestralidade das famílias negras influenciam e constroem o futuro do Direito das Famílias, reforçando a importância de uma Justiça antirracista.
Presidente da ONG Minha Criança Trans, Thamirys Nunes falou sobre a interseção entre afetividade e diversidade nas relações familiares contemporâneas. "Se não reconhecermos que existem limites para o exercício do poder familiar quando ele fere direitos fundamentais, como o da livre expressão da identidade de gênero e da sexualidade, como poderemos proteger crianças, adolescentes e pessoas LGBT?", questionou.

Gabriella Andréa Pereira no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, destacou a importância da atuação institucional e das políticas públicas na promoção e proteção das famílias. “Nós temos convenções ratificadas pelo Brasil que, infelizmente, ainda não são plenamente observadas na prática. Existe uma necessidade de avançar mais. Eu costumo dizer que precisamos nos atentar aos direitos de cada membro da família, para que todos sejam respeitados em sua individualidade e dignidade”, afirmou.
Já o juiz Wlademir Paes de Lira propôs uma reflexão sobre os limites culturais, éticos e jurídicos que permeiam as relações familiares. “O Brasil, embora reconheça o multiculturalismo, não adota plenamente o relativismo cultural. Assim, os diferentes valores culturais só são acolhidos quando compatíveis com os princípios e valores que orientam o nosso sistema jurídico”, afirmou.
A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção, compartilhou reflexões sobre interseções culturais na adoção, destacando a importância da sensibilidade e da pluralidade no acolhimento familiar sob diferentes contextos culturais. “O respeito às origens culturais não significa substituir a cultura familiar, mas sim enriquecê-la”, declarou.
Já o advogado Paulo Iotti, ao palestrar sobre direitos no Supremo Tribunal Federal – STF, destacou os avanços e desafios na concretização da igualdade e da dignidade da pessoa humana. “Estereótipos não podem servir como critério de diferenciação jurídica. É preciso analisar a realidade concreta de cada pessoa, verificando se há, de fato, uma conduta efetivamente prejudicial”, argumentou.

Congressistas do XV Congresso do IBDFAM (Imagem por PlayP Brasil)
Além das fronteiras
O XV Congresso Brasileiro do IBDFAM foi marcado por reflexões potentes sobre os desafios contemporâneos do Direito das Famílias e Sucessões, com falas que atravessaram fronteiras culturais, tecnológicas e emocionais.
No painel totalmente dedicado ao Núcleo de Países de Língua Portuguesa do IBDFAM, o juiz Arlindo de Castro, presidente do Núcleo do Instituto em Angola, destacou a importância da escuta sensível de crianças e adolescentes nos processos judiciais. Para ele, “é urgente formar equipes técnicas interdisciplinares, com profissionais capacitados para mais do que ouvir – capazes de sentir e compreender o que está no silêncio da criança: o que revela o choro em uma sala de audiência, o que expressa o olhar de quem não consegue verbalizar o que sente”.
A vice-presidente do Núcleo em Angola, Iracelma Medeiros-Filipe, abordou a necessidade de esclarecer conceitos e promover uma compreensão genuína sobre a adoção. “Muitas vezes, ouvimos frases como: ‘Doutora, quero adotar uma criança’. E eu costumo responder: ‘Não, há algo errado aí. Se o objetivo é apenas ajudar uma criança, então não se trata de adoção’”, afirmou, ressaltando o papel educativo dos profissionais do Direito.
Já Teresa Chelengo, presidente do Núcleo em Moçambique, trouxe ao público um panorama sobre a legislação moçambicana. “A lei impede o divórcio enquanto a mulher estiver grávida e até um ano após o parto. Caso o marido alegue que a gravidez não é dele, cabe a ele provar o fato para que o divórcio possa prosseguir”, explicou.

Maria Berenice Dias, Teresa Chelengo, Iracelma Medeiro-Filipe e Arlindo Castro no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
Na perspectiva nacional, Márcia Fidelis, presidente da Comissão de Registradores do IBDFAM, destacou a função essencial do Registro Civil como elo entre a vivência e o reconhecimento jurídico. “O Registro Civil funciona como uma ponte entre os afetos, as relações familiares, a vida real e a norma jurídica”, disse. “Entre o que se vive no cotidiano e o direito formalmente reconhecido, há um espaço. É nesse espaço que o Registro Civil facilitado pode atuar.”
O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, trouxe à tona a persistência de formas sutis de violência nas relações familiares. “Há 28 anos, o Direito não reconhecia certas formas de violência. Hoje, vemos a violência cotidiana do pai que se omite fingindo não ter obrigação e transforma a responsabilidade paterna em instrumento de controle e punição”, afirmou, ao palestrar sobre a teoria da aparência e os efeitos associados no abandono material dos filhos.
A vice-presidente do Instituto, Maria Berenice Dias, reforçou o alerta sobre o abandono afetivo. “O abandono afetivo continua sendo um tema sensível, reconhecido juridicamente, mas raramente enfrentado de forma efetiva”, pontuou. “A possibilidade de homens simplesmente se omitirem da paternidade não pode mais ser tolerada pela lei. Eu, sinceramente, não acredito que possa.”
Já Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão Nacional de Tecnologia do IBDFAM, chamou atenção para o impacto das inovações tecnológicas nas relações humanas e jurídicas. “Não podemos deixar que a inteligência artificial nos use como ferramenta. Devemos usá-la para nos auxiliar na vida cotidiana e na prática profissional. É dessa interação que estamos falando. Não estamos falando do futuro. Esse ‘filme’ é hoje”, concluiu.
Paralelamente à programação, diversas comissões se reuniram para traçar planos de ação para o biênio 2026 e 2027, entre elas as de Enunciados, Defensores Públicos, Mediação e Gênero e Violência Doméstica, além da Diretoria de Interdisciplinaridade.

Rolf Madaleno no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
Autonomia, pluralidade e igualdade
A conferência de encerramento do XV Congresso Brasileiro do IBDFAM foi conduzida pelo ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que apresentou as principais inovações em Direito das Famílias contidas na proposta de reforma do Código Civil, cujo anteprojeto foi elaborado pela Comissão de Juristas presidida por ele no Senado Federal – integrada por alguns membros do IBDFAM.
Na palestra, o ministro destacou que a autonomia privada foi o eixo central do trabalho da Comissão. “Prestigiar a autonomia da vontade foi a ideia motora, principalmente quando se tratava de contratos conjugais e convivenciais”, afirmou. Segundo ele, a proposta busca conferir maior liberdade e responsabilidade às pessoas na condução de suas relações familiares, acompanhando a evolução social e os novos arranjos afetivos reconhecidos pela jurisprudência e pela sociedade.
Entre os pontos abordados, Salomão ressaltou que o texto propõe uma disciplina mais lógica e sistemática dos institutos de família, incluindo inovações importantes como a proteção à gestante e ao nascituro, o reconhecimento da filiação socioafetiva e a inclusão da família parental no conceito jurídico de família.
“No conceito de família, expressamos também a ideia de sua abrangência, para incluir o casamento, a união estável e a família parental”, explicou.

Luis Felipe Salomão no XV Congresso do IBDFAM. (Imagem por PlayP Brasil)
Direitos homoafetivos
O ministro também reforçou que a proposta busca consolidar em lei o entendimento jurisprudencial do STJ e do STF sobre o casamento homoafetivo, garantindo tratamento isonômico a todas as pessoas. “Estabeleceu-se que o casamento homoafetivo é possível, ideia já acolhida pela jurisprudência e agora incorporada ao texto reformador, com igualdade de tratamento e reconhecimento pleno de direitos”, pontuou.
Outro avanço mencionado foi o afastamento da culpa nos casos de dissolução conjugal, em consonância com a Emenda Constitucional – EC 66/2010, idealizada pelo IBDFAM, que simplificou o divórcio no Brasil. “Afastamos a culpa para o fim da dissolução, eliminando a intervenção do Estado na fidelidade recíproca e na coabitação”, explicou Salomão.
A regulamentação da filiação socioafetiva também ganhou destaque, com a proposta de critérios mais claros para o reconhecimento desses vínculos, além da definição de que o simples fato de ser enteado não gera automaticamente relação de filiação. “A proposta disciplinou o que seria efetivamente a filiação socioafetiva”, observou o ministro.
Por fim, ele destacou que o texto também trata da condição jurídica dos animais de estimação, reconhecendo-os como seres sencientes e propondo regras específicas sobre sua convivência e cuidado no contexto familiar.
Por Guilherme Gomes
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