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JFPR homologa acordo e garante pensão por morte a viúvo de 99 anos
Atualizado em 09/10/2025
A Justiça Federal do Paraná – JFPR garantiu o direito de um idoso de 99 anos a receber pensão por morte. A decisão garante o recebimento do benefício e dos valores atrasados, que somam R$ 58,2 mil.
Conforme informações do TRF-4, o processo foi ajuizado após a negativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em reconhecer a união estável entre o autor e sua companheira, falecida em março de 2014. A autarquia alegava falta de provas materiais contemporâneas para comprovar o relacionamento.
Após a distribuição da ação para a 2.ª Vara Federal de Campo Mourão, foi realizada uma audiência de instrução. O depoimento pessoal do autor e a oitiva de testemunhas comprovaram a convivência do casal por mais de 50 anos, demonstrando uma relação pública, contínua e duradoura. Além da prova testemunhal, foi juntado aos autos, como prova material, um plano funerário no qual o autor constava como companheiro da falecida.
Também foram elencados os fatos, as provas e as razões pelas quais a solução consensual se mostrava o caminho mais adequado para resolver o conflito. Com isso, o INSS foi intimado, por meio do Projeto 9 Dias, a avaliar a possibilidade de apresentar uma proposta de acordo.
No mesmo dia em que o processo foi encaminhado para a tentativa de acordo, o INSS apresentou a proposta, que foi prontamente aceita pelo autor. A 2.ª Vara Federal de Campo Mourão encaminhou o processo para homologação de acordo no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – Cejuscon da JFPR na mesma data.
Rigidez excessiva
Para o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro, presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão foi justa, mas o processo sequer deveria ter chegado ao Poder Judiciário. Ele afirma observar, “de forma cada vez mais recorrente, uma rigidez excessiva da Administração Pública, especialmente do INSS, na análise dos processos administrativos”.
Segundo o advogado, instrumentos legais e procedimentais deveriam ser utilizados para construir a decisão de forma colaborativa e justa. “A própria Lei 8.213/1991, em seu art. 88, determina que o processo administrativo previdenciário deve ser construído de maneira conjunta entre a parte interessada e a Administração, o que, na prática, raramente acontece.”
“No caso, discutia-se uma união estável de mais de 50 anos, demonstrada por prova testemunhal e prova documental, mas ainda assim considerada insuficiente sob o olhar administrativo. Sem dúvida, a decisão judicial foi justa e necessária, restabelecendo um direito e reconhecendo a dignidade de um homem de 99 anos que buscava apenas o que lhe era devido. No entanto, fica a reflexão: precisava chegar a esse ponto?”, questiona.
Elemento humanitário
De acordo com o diretor nacional do IBDFAM, em 2024, quase um quarto dos processos envolvendo o INSS foi solucionado por meio de conciliação. Ele cita dados da ferramenta interativa desenvolvida pelo Programa Justiça 4.0, parceria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. “Este é um volume muito grande de ações, tendo em vista que o Instituto Nacional do Seguro Social é o maior litigante no polo passivo do Judiciário brasileiro.”
Na visão do especialista, o fato de o beneficiário ter 99 anos introduz um elemento humanitário e deveria sensibilizar o julgador. Entretanto, ele diz que decisões pautadas nesse olhar mais humano ainda não representam a regra no âmbito previdenciário. “A aplicação da lei, em muitos casos, tem-se dado de forma estritamente formalista, sem a devida ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção ao vulnerável e da efetividade dos direitos sociais.”
“Um exemplo emblemático foi recentemente decidido pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, de forma indireta, acabou por admitir a incidência da prescrição em desfavor de um absolutamente incapaz que pleiteava pensão por morte. O Tribunal entendeu que, não sendo observado o prazo de 180 dias para o requerimento administrativo, os efeitos financeiros do benefício não retroagiriam à data do óbito, mas apenas ao protocolo”, lembra.
Neste contexto, ele questiona a possibilidade de aplicação da prioridade absoluta da criança e do adolescente, prevista no art. 227 da Constituição Federal. “Poderia a própria criança cumprir o prazo legal? Evidentemente que não. Ela depende da atuação de seu representante legal”, observa.
“Situações como essa evidenciam uma tensão persistente entre a aplicação literal da norma e a realização de sua finalidade social. O sistema previdenciário tem por essência a proteção do vulnerável — seja ele o idoso, a pessoa com deficiência ou a criança — e, portanto, a interpretação das regras deve ser orientada por essa finalidade protetiva”, comenta.
Segundo Anderson, equilibrar a lei e a sensibilidade social não significa afastar a legalidade, mas reconhecer que a lei previdenciária é instrumento de justiça social, e não um fim em si mesma. “Quando o julgador enxerga a pessoa por trás do processo, especialmente em casos de evidente vulnerabilidade, ele não se afasta da lei — ele a cumpre em sua dimensão mais nobre.”
Por Débora Anunciação
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