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TJRS mantém testamento em favor de ex-esposa mesmo após 20 anos do divórcio

Em uma ação de nulidade e anulação testamentária, a Justiça do Rio Grande do Sul manteve válido o testamento deixado por um homem em favor de sua ex-esposa, mesmo após mais de 20 anos do divórcio. A decisão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado reformou a sentença de primeira instância, que havia acolhido o pedido de anulação do documento.
Segundo os autos, a ação foi ajuizada pelo espólio, representado pelos herdeiros necessários do falecido, com o objetivo de anular o testamento público lavrado em 1992, no qual o testador destinou a parte disponível de sua herança à ex-esposa, com quem foi casado entre 1983 e 2004.
O Tribunal de origem julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que o tempo que estiveram separados poderia indicar que a intenção de beneficiar a ex-esposa teria se extinguido com o divórcio. A decisão ainda ressaltou que o desconhecimento jurídico do falecido poderia explicar a ausência de revogação do testamento.
A defesa da ex-esposa recorreu, e a Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença e manteve válido o testamento, por unanimidade. O Tribunal explicou que, de acordo com o artigo 1.969 do Código Civil, um testamento só pode ser cancelado da mesma forma que foi feito. Como o falecido não cancelou o documento em vida e não houve prova de erro, fraude ou pressão, não havia razão legal para anulá-lo.
Liberdade do testador
A advogada Mariane Bosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso representando a ex-esposa. “A decisão reforça a liberdade do testador, reconhecendo que o testamento, como manifestação de última vontade, só pode ser revogado conforme as situações previstas em lei”, comenta.
Para ela, o Tribunal reafirma que a vontade do testador só pode ser alterada por manifestação expressa e formal, mantendo o testamento válido mesmo após o divórcio.
“O acórdão reforça a importância do testamento público, garantindo segurança jurídica às disposições nele contidas e preservando a autonomia da vontade do testador. Dessa forma, evita-se que interpretações subjetivas ou presunções infundadas comprometam a validade de um ato juridicamente perfeito, elaborado sem vícios e em conformidade com as formalidades legais”, destaca.
Para sustentar a validade do testamento mesmo após o divórcio do casal, a defesa adotou uma série de estratégias jurídicas, tais como demonstrar que a disposição testamentária indicou a beneficiária pelo nome, sem referir-se a ela como cônjuge ou companheira. “Isso demonstra que a manutenção do vínculo conjugal não constituía requisito para a eficácia da liberalidade”, explica a advogada.
Cláusula de substituição
Segundo ela, o testador incluiu uma cláusula de substituição testamentária, determinando que, em caso de falecimento de ambos, a herança seria destinada aos filhos da beneficiária, mesmo que não fossem seus herdeiros necessários.
“Ao longo da vida, o falecido lavrou quatro testamentos em favor da mesma pessoa, inclusive antes do casamento e após a separação judicial, revogando expressamente cada instrumento anterior, o que demonstra pleno conhecimento do procedimento. Além disso, ele teve 28 anos para revogar o último testamento, mas não o fez, mesmo após ser diagnosticado com doença terminal e ao formalizar nova união estável, pontua.
A especialista destaca que o testamento só pode ser anulado em casos de erro, dolo, coação, simulação, fraude ou descumprimento de formalidade. “Nenhum desses vícios foi constatado no caso. O testador exerceu sua autonomia plena, no limite da legítima, inexistindo qualquer prova contrária à sua expressa vontade.”
Ela frisa ainda que estamento é um ato de última vontade e que a validade do documento não depende da existência de vínculo afetivo, salvo quando houver disposição expressa em sentido contrário. “Não se pode presumir o contrário, devendo a decisão judicial apoiar-se em fatos e provas, e não em meras suposições”, completa.
Rigor da lei
Mariane Bosa avalia que a decisão terá impacto em casos futuros, ao consolidar que a revogação de testamentos deve seguir rigorosamente a lei, sem se basear em presunções.
“Caso contrário, correria-se o risco de desvirtuar o instituto do testamento, abrindo espaço para interpretações subjetivas sobre a verdadeira vontade do falecido. O julgamento consolidou que o mero divórcio, por si só, não demonstra a intenção de o testador revogar o testamento, especialmente quando a liberalidade não estava condicionada ao vínculo conjugal e a beneficiária não era classificada como cônjuge”, analisa.
A advogada argumenta ainda que o casamento não é prova definitiva de afeto, assim como a ausência de vínculo conjugal não indica necessariamente sua inexistência. “Trata-se de elemento subjetivo e sem definição legal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já assentou que: ‘não há dever de amar, mas sim obrigação de cuidar’.”
Ela ressalta ainda que a lei não exige a manutenção de vínculo afetivo com o herdeiro testamentário, salvo quando houver condição expressa. Sendo assim, “qualquer exigência nesse sentido representaria uma restrição indevida à liberdade do testador de dispor da parte disponível de seu patrimônio”.
Por Guilherme Gomes
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