Notícias
TJSP nega pedido de pensão alimentícia para cachorro
.jpg)
A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP negou o pedido de pensão alimentícia para um animal de estimação feito por uma mulher após o divórcio. O colegiado manteve o entendimento da 7ª Vara Cível de Santo André por unanimidade.
Segundo os autos, o cachorro foi adquirido de forma conjunta durante o relacionamento, mas ficou sob a guarda exclusiva da mulher após a separação. Ela alegou não ter condições financeiras para arcar sozinha com as despesas do pet e buscava dividir os custos com o ex-companheiro.
A desembargadora-relatora do caso reconheceu a importância dos laços afetivos entre humanos e animais e a necessidade de proteção jurídica especial aos pets. No entanto, ressaltou que os animais não podem ser equiparados a sujeitos de direito, o que inviabiliza a aplicação analógica das regras do Direito das Famílias, especialmente no que diz respeito à pensão alimentícia.
“As despesas com o custeio da subsistência dos animais são obrigações inerentes à condição do dono e, no caso, são de inteira responsabilidade da apelante, que exerce a posse exclusiva sobre o animal”, afirmou a magistrada.
Apelação 1033463-97.2023.8.26.0554
Família multiespécie
A advogada Valéria Silva Galdino Cardin, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade. “Os animais de estimação são compreendidos como seres sencientes, merecem proteção e respeito e, por isso, a sua condição deve ser avaliada sob um olhar mais cuidadoso pelo Poder Judiciário.”
Para a advogada, seria um retrocesso reduzir a relação entre humanos e pets a uma simples relação de posse e propriedade, “especialmente ao considerar a forma como os humanos vêm tratando os seus animais de estimação”.
“Ainda que compreendidos na qualidade de semovente, há a obrigação de os tutores manterem-lhe a dignidade, ou seja, há a obrigação de contribuir com a manutenção da dignidade do animal, o que torna a decisão desacertada sob este aspecto. No caso mencionado, a autora da ação deixou de contestar o pedido de divórcio e, ao longo do processo, nada mencionou acerca das necessidades do pet, que permaneceu exclusivamente sob os seus cuidados”, avalia Valéria.
Na visão da especialista, apesar de o pet ter ficado um longo período na companhia exclusiva da autora que lhe proveu toda a assistência, não seria um problema tratar desta questão nos autos do divórcio e, naquele momento, exigir auxílio para a manutenção das despesas, já que a aquisição se deu de forma consensual. “Por isso, antes de se adotar ou adquirir um animal, há a necessidade de realmente considerar os custos para a manutenção digna dele, bem como avaliar o perfil dos tutores e da raça a ser adquirida.”
Legislação
Coautora da obra “Família Multiespécie: Animais de Estimação e Direito”, a professora Tereza Rodrigues Vieira explica que não há no Brasil uma legislação específica sobre a divisão de despesas relacionadas a animais de estimação após o término de uma união. Por isso, o tema é tratado de modo similar à separação de bens, “considerando o animal como um bem, cuja posse e responsabilidade financeira podem ser estabelecidas por meio de um acordo entre as partes ou por decisão judicial, levando em conta o bem-estar do animal”.
“No entanto, felizmente o assunto tem ganhado relevância, especialmente com a crescente visão dos animais como membros da família multiespécie. É frequente, portanto, que ex-casais entrem em consenso sobre a posse e os cuidados do animal, incluindo a partilha das despesas”, esclarece.
Segundo a professora, na falta de um acordo, a questão pode ser submetida ao Judiciário, que decidirá com base em critérios como a capacidade de cada parte em cuidar do animal, quem o adquiriu/adotou, e o interesse superior do pet.
Há situações em que se realiza uma comparação com a guarda de filhos, permitindo a guarda compartilhada e a divisão de responsabilidades, inclusive pagamento das despesas concernentes ao pet, ou seja, embora não exista a figura da pensão alimentícia para animais como ocorre para filhos, o Judiciário pode deliberar sobre a divisão das despesas para assegurar o bem-estar do animal”, pontua.
Segundo Valéria Cardin, embora os animais sejam compreendidos como seres sencientes, atualmente a legislação brasileira adota o posicionamento de que os animais são regidos pelo Direito das Coisas, conforme o disposto no art. 82 do Código Civil. Ela lembra, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu ser possível estabelecer o direito de guarda e de visitas aos animais de estimação após a dissolução do casamento ou de uma união estável.
Contemporaneidade
Tereza Rodrigues Vieira entende que a legislação brasileira ainda precisa avançar para abordar a condição dos animais de maneira mais alinhada ao seu papel importante nas famílias contemporâneas, especialmente no que tange à proteção do bem-estar e ao reconhecimento dos laços afetivos da família multiespécie. “A legislação deve reconhecer a relevância do vínculo afetivo entre humanos e animais, considerando-os membros da família e não meros objetos.”
De acordo com a especialista, apesar de a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) já punir maus-tratos, existem lacunas na proteção de animais de estimação, sobretudo em situações de dissoluções familiares. Em casos de rompimento da relação, ela acredita ser vital definir critérios claros para a guarda, visitação e alimentos dos animais, priorizando tanto o bem-estar dos mesmos quanto o vínculo com os tutores.
Ainda segundo Tereza, há projetos de lei em tramitação no Congresso em prol da regulamentação da responsabilidade familiar sobre os animais, incluindo a possibilidade de herança e a gestão de bens em benefício do animal, como o Projeto de Lei 542/2018, o qual trata da custódia compartilhada de animais de estimação em casos de dissolução de casamento ou união estável. “Embora a Lei Sansão (14.064/2020) tenha elevado as penas para maus-tratos a cães e gatos, ainda há a necessidade de endurecer as punições e ampliar a proteção para todas as espécies.”
“Apesar dos progressos, a legislação brasileira ainda deve evoluir para garantir a proteção integral dos animais, apoiando seu papel nas famílias contemporâneas e estabelecendo mecanismos eficazes para garantir seu bem-estar. A legislação deve ser acompanhada por mecanismos de fiscalização eficazes e punições rigorosas para garantir que as leis sejam cumpridas e o bem-estar animal seja priorizado”, conclui.
Por Débora Anunciação
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br