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Especialista comenta decisão do TJDFT que negou desconstituição de paternidade e anulação de registro feito há 35 anos

Um homem que buscava a descontinuação da paternidade e a retirada de seu nome do registro de nascimento do filho teve o pedido negado pela 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT. O colegiado decidiu pela manutenção do vínculo registral em razão da paternidade socioafetiva, mesmo sem confirmação biológica.
Segundo informações do Tribunal, o autor alegou que o filho foi gerado após um encontro casual com a mãe e o registro, feito há 35 anos, foi realizado sob pressão familiar. Na época, apesar das dúvidas quanto à paternidade biológica, ele decidiu voluntariamente reconhecer o filho. Ao longo dos anos, declarou ter sido presente na vida dele, financiando inclusive estudos e aquisição de veículo.
O autor alegou, porém, que o filho estaria prejudicando sua imagem em encontros familiares, o que o motivou a solicitar o exame de DNA e, consequentemente, a exclusão do registro.
A Defensoria Pública, que atuou na defesa do filho, defendeu a manutenção do vínculo socioafetivo ao destacar que o reconhecimento voluntário e espontâneo da paternidade, ainda que com dúvidas, gera vínculo irrevogável quando não demonstrado erro ou vício de consentimento.
O relator do caso no TJDFT esclareceu que o ato de reconhecimento de filho é irrevogável e só pode ser desconstituído em casos excepcionais, como erro ou coação, o que não se configurou neste caso. Destacou ainda que o relacionamento socioafetivo estabelecido ao longo de décadas prevalece sobre a ausência de vínculo biológico.
Para o colegiado, o argumento de pressão familiar ou arrependimento posterior não é suficiente para desconstituir um ato juridicamente consolidado, especialmente quando há demonstração clara de relação socioafetiva entre as partes envolvidas. A decisão foi unânime. O processo corre sob segredo de Justiça.
Afeto
Segundo a registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do IBDFAM, a decisão do TJDFT reafirma um princípio já consolidado no Direito das Famílias brasileiro: a paternidade não é apenas um fato biológico, mas uma escolha jurídica e afetiva.
“Reconhecer um filho é um ato solene, público e consciente. Quando essa escolha se traduz em presença, cuidado, responsabilidade e afeto – ao lingo de 35 anos, como no caso em questão -, não se pode, a posteriori, desconstituí-la com base em um arrependimento subjetivo ou em uma alegação de pressão familiar”, afirma.
A registrado destaca que o reconhecimento voluntário de um filho produz efeitos jurídicos e afetivos que não podem ser desfeitos por motivos meramente circunstanciais. “O Direito, nesse caso, precisa proteger não apenas o nome nos registros públicos, mas, principalmente, a dignidade da relação que foi construída – e mantida – durante décadas.”
A decisão, segundo Márcia Fidélis, contribui para fortalecer a segurança jurídica e afetiva das famílias brasileiras. “Em tempos de tantas transformações nos arranjos familiares, o reconhecimento da socioafetividade como fonte legítima de filiação consolida a ideia de que os vínculos familiares se sustentam na convivência, no cuidado mútuo e na responsabilidade, e não exclusivamente no sangue, na genética.”
“Ao afirmar que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a ausência de vínculo biológico – especialmente quando o vínculo foi reconhecido voluntariamente e se desenvolveu de forma contínua – o TJDFT sinaliza que o Direito das Famílias deve se abrir à complexidade da vida real. E, mais do que isso, que a parentalidade exige compromisso: quem assume, não pode renunciar quando for conveniente”, ressalta.
Elementos concretos
A diretora nacional do IBDFAM explica por que a pressão familiar não foi considerada um vício de consentimento suficiente nesse caso. Segundo ela, o vício de consentimento, para ser juridicamente relevante, precisa estar caracterizado por elementos concretos como coação, dolo, erro substancial ou estado de perigo – e, ainda assim, deve ser comprovado com rigor.
“No caso julgado, não se demonstrou nenhum desses elementos de forma contundente. O homem reconheceu o filho de forma voluntária, permaneceu presente na vida dele por mais de três décadas, financiou estudos e participou de momentos importantes. Essa trajetória é incompatível com a tese de que ele agiu sob coação ou erro”, explica.
Além disso, acrescenta a registradora, o tempo decorrido entre o reconhecimento e a tentativa de anulação também pesa contra a alegação. “O Direito protege a estabilidade das relações familiares e valoriza a confiança que se constrói com o tempo.”
“O arrependimento não pode ser confundido com o vício de vontade. Nem tampouco a decepção afetiva, familiar ou moral pode justificar a ruptura de um vínculo que, por escolha, se tornou jurídico e afetivo”, conclui.
Por Débora Anunciação
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