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STJ autoriza adoção sem consentimento de adolescente ao reconhecer vínculo socioafetivo consolidado
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O Superior Tribunal de Justiça – STJ autorizou a adoção de um adolescente por seus tios paternos, mesmo sem o consentimento expresso do jovem – exigência prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA para casos de adoção de menores de idade a partir dos 12 anos.
O entendimento é de que a exigência de consentimento do adotando pode ser flexibilizada quando houver vínculo socioafetivo comprovado antes dessa idade, e quando a demora no processo não for causada pelas partes envolvidas.
De acordo com a decisão, a família que criou o adolescente como filho – sem qualquer distinção em relação aos filhos biológicos – tem o entendimento de que a adoção só deveria ser revelada a ele após a maioridade.
Em 2017, quando o menino tinha 8 anos, o casal ajuizou uma ação para adotá-lo e destituir o poder familiar dos pais biológicos, acusados de abandono. O processo se arrastou por vários anos e a criança completou 12 anos antes da audiência.
Quando o caso foi apreciado em primeira instância, o Ministério Público – MP exigiu o consentimento do jovem para autorizar a adoção, então a Justiça do Espírito Santo negou o pedido dos tios.
Relação consolidada
O casal decidiu não seguir o parecer do MP e optou por manter o pedido de adoção mesmo sem o consentimento do adolescente. O caso chegou ao STJ, que reformou a decisão do Tribunal estadual.
A Corte considerou que a relação de filiação estava consolidada desde a primeira infância e que a adoção representa o melhor interesse da criança – princípio que deve prevalecer sobre formalidades legais. Laudos técnicos e pareceres no processo confirmaram o forte vínculo afetivo e o reconhecimento dos tios como figuras parentais pela criança.
O STJ destacou ainda que o direito ao pertencimento familiar é um direito fundamental da criança, assegurado pela Constituição Federal.
A advogada Ana Paula Morbeck, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Espírito Santo – IBDFAM-ES, que atuou no caso, defende a possibilidade de flexibilizar a exigência legal prevista no ECA.
“A regra prevista pode ser flexibilizada especialmente porque não se trata de uma criança acolhida em abrigo, mas de alguém que sempre foi tratado como filho pelo casal que pretendia adotá-lo. Além disso, o princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer sobre a rigidez da norma legal”, afirma.
A sentença que indeferiu o pedido de adoção acolheu o parecer do promotor de Justiça, que sustentou: “A legislação brasileira é clara ao estabelecer a necessidade do consentimento expresso do maior de 12 anos, uma vez que possui condições mínimas para exprimir sua vontade, devendo ser ouvido e respeitado, conforme previsão contida no art. 28, § 2º cc. art. 45, § 2º todos do Ecriad, e portanto não pode lhe ser subtraído tal direito”.
Rigor da lei
A advogada observa que a lentidão no andamento do processo impactou o pedido de adoção, uma vez que, até a realização da audiência, o adolescente já havia completado 12 anos. Segundo ela, esse fator contribuiu para que a exigência fosse incluída na sentença.
“O rigor da lei, nesse caso, acabou desfavorecendo o jovem, que já não contava com o amparo dos pais biológicos e também não pôde ter, em seus registros, os nomes dos tios que sempre o criaram como filho. Isso porque se deu ênfase à exigência de consentimento prevista no ECA, mas não ao próprio prazo estabelecido pelo mesmo Estatuto para a conclusão da adoção – 120 dias –, que não foi respeitado”, pontua.
Ana Paula Morbeck destaca que, se o processo tivesse tramitado dentro do prazo legal, a exigência de consentimento sequer seria aplicada, já que o jovem tinha 8 anos quando a adoção foi requerida.
“Foi reconhecida a tese de que a demora no andamento do processo não pode impedir o pedido de adoção nem o reconhecimento do vínculo de filiação já consolidado entre os pretensos adotantes e o adotado”, acrescenta.
A advogada destaca que o julgamento traz um avanço importante na forma como se interpreta a legislação voltada à infância e juventude. “A grande relevância desse julgamento é o entendimento de que a interpretação literal dos artigos 28, § 2º, e 45, § 2º, do ECA deve ser mitigada quando sua aplicação contrariar o princípio do melhor interesse da criança”, afirma.
Ela ressalta que esse princípio está presente na Constituição e já é consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores. “Trata-se de garantir que a norma legal não se sobreponha ao que efetivamente atende às necessidades e ao bem-estar da criança, como determina o artigo 227 da Constituição e diversas decisões do STJ.”
Por Guilherme Gomes
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