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Neta é condenada por tentativa de feminicídio contra a avó

Atualizado em 24/04/2025
Na Paraíba, uma mulher foi condenada a 11 anos e três meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, por tentativa de homicídio e feminicídio contra a própria avó. O 1º Tribunal do Júri de João Pessoa considerou caracterizada a qualificadora do feminicídio, ante a presença de violência doméstica e familiar.
Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público, em fevereiro de 2024, a mulher desferiu golpes de arma branca contra a avó, não consumando o delito porque foi impedida por vizinhos. Além disso, “houve recurso que impossibilitou a defesa da vítima, em razão da surpresa do ataque”.
Ao ser interrogada, a ré negou a acusação. A mulher relatou que sofria agressões do pai, que a enviou para morar com a avó, e disse que “surtou” quando a vítima não permitiu que ela ficasse ou dormisse no local. A ré ainda alegou fazer uso de medicações, além de ser usuária de maconha e cocaína.
O juiz responsável pelo caso considerou o viés patrimonialista do crime. “Eis que a ré se achava dona do imóvel onde a avó reside. Outrossim, conforme disse a ré, feriu a vítima por ter sido supostamente humilhada, não especificando em que consistiu a referida humilhação”.
O magistrado também citou as qualificadoras: motivo torpe, recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da ofendida e contexto de violência doméstica.
Violência doméstica
A advogada Izabelle Ramalho, vice-presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que o feminicídio é uma qualificadora do homicídio prevista no art. 121, § 2º-A, do Código Penal, aplicável quando o crime é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Esse requisito se caracteriza, por exemplo, quando o homicídio decorre de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei Maria da Penha (11.340/2006), ou quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
“Importante destacar que a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma forma de violência de gênero. O art. 5º da Lei Maria da Penha define esse tipo de violência como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause dano físico, psicológico, sexual, patrimonial ou moral à mulher, ocorrida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Assim, não é suficiente que a vítima seja mulher: a motivação deve estar relacionada à sua condição de mulher, refletindo uma estrutura de poder historicamente desigual”, esclarece a especialista.
Izabelle destaca que a vítima é sempre uma mulher, ainda que o agressor possa ser homem ou mulher. “Essa foi, inclusive, a compreensão consolidada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Constitucionalidade 19, na qual o IBDFAM atuou como amicus curiae. Na ocasião, o STF declarou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, afirmando que a proteção exclusiva às mulheres em contextos de violência doméstica e familiar não viola o princípio da igualdade, justamente porque visa corrigir uma desigualdade estrutural e histórica.”
“As mulheres, ao longo dos séculos, foram (e continuam sendo) as principais vítimas de violência nos espaços privados e afetivos, em razão da desigualdade de gênero”, reconhece.
Restrições
A advogada observa que a lei não impõe restrição quanto ao sujeito ativo para a configuração dessa forma de violência, “embora, na maioria dos casos, seja praticada por homens”.
“O que caracteriza a violência doméstica e familiar contra a mulher é a motivação de gênero e a condição da vítima como mulher em situação de vulnerabilidade, especialmente em ambientes familiares, domésticos ou afetivos”, pontua.
Assim, segundo Izabelle, no caso divulgado, o fato de se tratar de uma mulher idosa amplia a dimensão da vulnerabilidade, destacando a importância de se proteger mulheres que acumulam múltiplos fatores de risco, como a idade avançada e a limitação física. “A abordagem interseccional é essencial para garantir uma resposta penal sensível às diversas formas de violência de gênero que afetam mulheres em diferentes fases da vida.”
“Essa perspectiva contribui para uma interpretação mais abrangente da legislação penal e protetiva, compatível com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil subscreve, reforçando o compromisso institucional de enfrentamento à violência contra a mulher em todas as suas formas”, conclui a especialista.
Por Débora Anunciação
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