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Convenção da Haia: MPF apura denúncias sobre perda de guarda de filhos por mães brasileiras

Nesta semana, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC, órgão do Ministério Público Federal – MPF, instaurou um procedimento para apurar possíveis irregularidades na aplicação da Convenção da Haia em casos que envolvem mães brasileiras que tiveram filhos no exterior e perderam a guarda dos filhos após retornarem ao Brasil, mesmo em decorrência de violência doméstica.
O objetivo do procedimento é analisar o papel das instituições brasileiras e avaliar o cumprimento de deveres constitucionais, além de garantir direitos de mulheres e crianças.
Conforme o procedimento, assinado pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, a legislação brasileira impede a guarda compartilhada de crianças em caso de violência doméstica. Nesse sentido, “a violência doméstica praticada contra a genitora pode configurar grave risco à criança, ainda que esta não seja a vítima direta dos abusos”.
No documento, Nicolao Dino enfatiza que a Constituição Federal garante a proteção dos direitos humanos e da dignidade da mulher e da criança. Além disso, reforça que o próprio tratado internacional estabelece que todas as ações devem priorizar o melhor interesse da criança.
Acesse o documento na íntegra.
Ação no STF
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7686, que questiona uma norma da Convenção da Haia e pretende impedir a repatriação em casos de suspeita de violência doméstica, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM atua como amicus curiae. A vice-presidente do Instituto, a jurista Maria Berenice Dias, proferiu sustentação oral.
O IBDFAM defende que crianças e adolescentes não podem ser obrigados a voltar para o país de origem quando há casos de violência doméstica, nos quais, muitas vezes, a mãe é a vítima, o que também afeta filhos e filhas, mesmo que de forma indireta. Por isso, o Instituto sustenta que a Convenção da Haia não pode ser usada para forçar esse retorno imediato em situações em que a segurança da mãe e da criança está em risco.
Na ocasião, a jurista destacou que a Corte deve adotar uma interpretação conforme a Constituição Federal, que prevê proteção especial e prioridade absoluta para crianças e adolescentes. Segundo ela, 57,61% dos casos de violência doméstica são desconsiderados nos processos em que se aplica a norma prevista na Convenção da Haia.
“A violência cometida contra as mães também é uma violência contra seus filhos. Além disso, a vontade da criança deve ser respeitada. Isso não está previsto apenas no artigo 13 da Convenção da Haia, dentro das exceções ao retorno imediato, mas também na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. No entanto, na prática, essa determinação não é observada”, pontua.
Para Maria Berenice Dias, o argumento de que a questão da convivência será resolvida no país de residência da criança não se sustenta, uma vez que, em muitos países, estrangeiros estão sujeitos à xenofobia da população local.
“Muitas mulheres não conseguem sequer denunciar a violência doméstica nos países onde residem e só conseguem fazê-lo ao chegar ao Brasil com seus filhos. Determinar o retorno imediato dessas crianças sob a promessa de que seus direitos serão garantidos em outro país é uma ilusão”, afirma.
Ela também chama a atenção para o fato de que, nos 111 países signatários da Convenção da Haia, o sequestro internacional de crianças é considerado crime, o que significa, segundo a jurista, que quando uma mãe retorna ao país de origem, ela pode ser presa.
“Como, então, uma mãe pode retornar com seu filho se há uma ordem de retorno, mas nenhuma garantia de que poderá permanecer com ele? Como ela sobreviverá em um ambiente onde já foi vítima de violência?”, questiona.
Maria Berenice Dias avalia que o Brasil tem avançado significativamente na proteção dos direitos das crianças, o que precisa ser mantido. “Esta sempre foi uma das grandes bandeiras do IBDFAM, que clama para que algo seja feito. Ainda que a Convenção da Haia tenha sua razão de existir, sua aplicação no Brasil não pode continuar sendo feita de maneira tão equivocada”, aponta.
E conclui: “É isso que se espera da Corte, que reiteradamente tem demonstrado sensibilidade absoluta em relação aos temas que envolvem os segmentos mais vulneráveis da sociedade. E, entre esses segmentos, as crianças e adolescentes são os mais vulneráveis”.
Por Débora Anunciação
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