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IBDFAM é aceito como amicus curiae em ação no STF sobre repatriação de crianças se houver suspeita de violência doméstica
O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM foi admitido como amicus curiae pelo Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7686, que questiona uma norma da Convenção da Haia sobre o chamado sequestro internacional de crianças, e pretende impedir a repatriação das que vivem em países estrangeiros quando houver suspeita de violência doméstica. O Instituto, representado pela vice-presidente, a jurista Maria Berenice Dias, fará sustentação oral no julgamento que está previsto para começar nesta quinta-feira (6), a partir das 14h, no Plenário do STF, com transmissão ao vivo pelo canal da TV Justiça no YouTube.
O IBDFAM defende que crianças e adolescentes não podem ser obrigados a voltar para o país de origem quando há casos de violência doméstica nos quais, muitas vezes, a mãe é a vítima, o que também afeta filhos e filhas, mesmo que de forma indireta. Por isso, o Instituto sustenta que a Convenção da Haia não pode ser usada para forçar esse retorno imediato em situações em que a segurança da mãe e da criança está em risco.
“A Convenção da Haia trata crianças e adolescentes como meros objetos”, critica Maria Berenice Dias. “Todos nos lembramos das aulas de Direito em que se discutia a posse nova e a posse velha. A lógica da Convenção, na prática, equivale a tratar as crianças como posse nova, determinando seu retorno imediato, sem qualquer consideração pelo seu melhor interesse. E é isso que está acontecendo no Brasil.”
A jurista argumenta que a Corte deve adotar uma interpretação conforme a Constituição Federal, que prevê proteção especial e prioridade absoluta para crianças e adolescentes. Segundo ela, 57,61% dos casos de violência doméstica são desconsiderados nos processos em que se aplica a norma prevista na Convenção da Haia.
“A violência cometida contra as mães também é uma violência contra seus filhos. Além disso, a vontade da criança deve ser respeitada. Isso não está previsto apenas no artigo 13 da Convenção da Haia, dentro das exceções ao retorno imediato, mas também na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. No entanto, na prática, essa determinação não é observada”, pontua.
Xenofobia
Para Maria Berenice Dias, o argumento de que a questão da convivência será resolvida no país de residência da criança não se sustenta, uma vez que, em muitos países, estrangeiros estão sujeitos à xenofobia da população local.
“Muitas mulheres não conseguem sequer denunciar a violência doméstica nos países onde residem e só conseguem fazê-lo ao chegar ao Brasil com seus filhos. Determinar o retorno imediato dessas crianças sob a promessa de que seus direitos serão garantidos em outro país é uma ilusão”, afirma.
Ela também chama a atenção para o fato de que, nos 111 países signatários da Convenção da Haia, o sequestro internacional de crianças é considerado crime, o que significa, segundo a jurista, que quando uma mãe retorna ao país de origem, ela pode ser presa.
“Como, então, uma mãe pode retornar com seu filho se há uma ordem de retorno, mas nenhuma garantia de que poderá permanecer com ele? Como ela sobreviverá em um ambiente onde já foi vítima de violência?”, questiona.
Maria Berenice Dias avalia que o Brasil tem avançado significativamente na proteção dos direitos das crianças, o que precisa ser mantido. “Esta sempre foi uma das grandes bandeiras do IBDFAM, que clama para que algo seja feito. Ainda que a Convenção da Haia tenha sua razão de existir, sua aplicação no Brasil não pode continuar sendo feita de maneira tão equivocada”, aponta.
E conclui: “É isso que se espera da Corte, que reiteradamente tem demonstrado sensibilidade absoluta em relação aos temas que envolvem os segmentos mais vulneráveis da sociedade. E, entre esses segmentos, as crianças e adolescentes são os mais vulneráveis.”
Entenda o caso
A ação, apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, questiona a Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção da Haia. Entre as situações mais comuns reguladas pelo tratado estão os casos em que um dos pais ou parentes próximos, desrespeitando o direito de guarda, leva a criança para outro país, afastando-a arbitrariamente do convívio familiar.
De acordo com o artigo 13, alínea b, da Convenção, a autoridade judicial ou administrativa do Estado para onde a criança for levada não é obrigada a ordenar o seu retorno se for comprovado risco grave de que ela fique sujeita a perigos físicos ou psíquicos ou em situação intolerável.
O que o PSOL pretende é que a violência contra a mãe seja interpretada como uma das exceções ao retorno da criança ao país de origem. Para o partido, o objetivo é que a mulher nessa situação tenha no Brasil proteção sociojurídica para viver com seu filho. Nesse caso, argumenta que deve prevalecer a segurança da mulher e da criança em detrimento da convivência com o pai.
A Procuradoria Geral da República – PGR se manifestou parcialmente favorável ao pedido. O parecer sugere que, se houver provas ou suspeitas bem fundamentadas de que um dos pais sofreu violência doméstica, isso pode impedir a devolução da criança. No entanto, suspeitas vagas ou medos baseados apenas em percepções pessoais, sem provas concretas, não são suficientes para justificar a permanência da criança no país para onde foi levada.
Confira a manifestação na íntegra.
Por Guilherme Gomes
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