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O que é abandono material: entenda o conceito que levou à condenação de pai por falta de amparo ao filho
Em Minas Gerais, um homem que descumpriu o dever de amparar financeiramente o filho foi condenado criminalmente. Ele deixou de pagar pensão alimentícia até ser preso pelo descumprimento do acordo judicial. Após quitar a dívida e ser solto, o homem não efetuou o pagamento nos meses seguintes, o que motivou o processo judicial que levou à condenação na 8ª Vara Criminal de Belo Horizonte.
A Justiça sentenciou o homem a um ano e três meses de prisão. Por ser réu primário, a pena privativa de liberdade foi substituída pelo pagamento de dois salários-mínimos, em favor do filho, e pela prestação de serviços à comunidade. A decisão foi embasada no conceito de “abandono material”.
Segundo o advogado Dimas Messias de Carvalho, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, abandono material é o “descumprimento injustificado do dever de uma pessoa em prover a subsistência de um parente próximo ou cônjuge”. Essa conduta configura crime contra a assistência familiar, conforme previsto no Código Penal.
“O crime de abandono material possui três fatos típicos: deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou do filho menor de 18 anos, ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 anos, não lhes proporcionando os recursos necessários; faltar, sem justa causa, ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. As vítimas protegidas pelo crime de abandono material são, portanto, o cônjuge, descendentes, ascendentes e beneficiários de pensão alimentícia”, explica.
Abandono foi sistemático
O processo de Minas Gerais mostra que, de acordo com a mãe da criança, o pai prometia valores, mas, em seguida, mostrava-se indiferente. Dizia que não estava trabalhando e teria, inclusive, sumido por vários meses sem pagar o que devia ao filho.
“Para que a falta de pagamento de pensão alimentícia configure crime de abandono material é necessário que ela seja injusta, voluntária, que não exista uma justa causa. Se a inadimplência for justificada, existindo motivo real e grave, não configura o delito”, aponta Dimas de Carvalho.
A Justiça mineira considerou que o abandono foi sistemático, já que o pai omitiu-se em honrar os acordos por anos, mesmo que esparsamente tenha pago os valores, o que indicaria a intenção em permanecer na situação inicial de não ajudar nas despesas.
“O abandono material ocorreu tanto antes da ação judicial quanto após a celebração do acordo judicial”, diz um trecho da sentença, que destaca ainda que o pai deixou de contribuir minimamente, sem justa causa, para prover a subsistência do filho, deixando todo o encargo financeiro para a mãe da criança.
Desafios
No Direito Civil, medidas como a prisão civil em regime fechado buscam garantir o cumprimento da obrigação alimentar. Ainda assim, a efetividade dessas sanções enfrenta desafios na prática.
“Apesar de o crime de abandono material ser de ação penal pública incondicionada, raramente os processos cíveis de execução de alimentos contra devedores persistentes são remetidos à esfera criminal. Isso demonstra uma resistência na aplicação de sanções penais nesses casos, ainda que existam mecanismos legais para responsabilização mais severa dos inadimplentes”, avalia o advogado.
Muitos especialistas defendem que a esfera cível é eficiente para compelir o devedor a cumprir o dever dos alimentos. Dimas de Carvalho discorda.
“Na prática, muitos devedores contumazes deixam de efetuar o pagamento intencionalmente, somente o fazendo após a citação com ameaça de prisão civil, o que causa grande sofrimento aos alimentandos, que diante das dificuldades não promovem a execução. A condenação criminal é um alerta de que o fato é criminoso e que nova condenação pode ocasionar reincidência com consequências graves. Grande parte da minha vida profissional exerci o cargo de promotor de Justiça e sempre denunciei os devedores inadimplentes de alimentos contumazes pelo crime de abandono material. O resultado, após a primeira condenação, foi muito satisfatório no cumprimento da obrigação”, afirma.
Segundo ele, apesar de existirem decisões criminais condenando devedores inadimplentes por abandono material, elas são insuficientes para criar uma cultura de que deixar de prover os alimentos é um crime.
“Os advogados deveriam noticiar mais o crime ao promotor de Justiça nas execuções que atuam, o que também se aplica aos representantes do Ministério Público – MP e aos juízes, inclusive se valendo do artigo 40 do Código de Processo Penal, que determina ao juiz a remessa dos documentos necessários ao MP para oferecimento de denúncia quando verificarem a existência de crime de ação pública, como no caso de abandono material”, conclui.
Por Guilherme Gomes
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