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Justiça de São Paulo desobriga mãe de pagar alimentos a filho maior e casado
O Código Civil estabelece que o dever de prestar alimentos cessa com o casamento ou a união estável. Esse entendimento foi aplicado em recente decisão da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP ao desobrigar uma mulher de continuar pagando pensão para o filho que tem mais de 30 anos de idade e é casado.
O advogado Marcelo Truzzi, vice-presidente da Comissão da Advocacia de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, observa que, ao casar ou constituir união estável, pressupõe-se que a pessoa terá um novo elo de solidariedade com o parceiro, capaz de oferecer suporte financeiro em caso de necessidade.
“Em geral, o casamento é um indicativo de que o indivíduo deixou de depender financeiramente da família. Por isso, presume-se que a necessidade de alimentos entre parentes cessa. Essa presunção, porém, não é uma regra absoluta e pode ser reavaliada a depender da situação”, explica.
Segundo ele, filhos inválidos ou com necessidades especiais, mesmo que casados, podem continuar a ter direito a alimentos de seus pais, caso o cônjuge não tenha condições de sustentá-los.
“Nesses casos, o pagamento estará limitado à capacidade financeira de quem deve os alimentos e será destinado apenas ao necessário para garantir o sustento, enquanto durar a situação de necessidade excepcional. Cada caso deve ser analisado individualmente, de forma razoável e proporcional”, ele comenta.
Caso concreto
No caso julgado pelo TJSP, a Justiça já havia decidido anteriormente que a obrigação da mãe estava encerrada, pois o filho se casou antes mesmo de entrar com o pedido de cumprimento da sentença de alimentos. O homem recorreu, argumentando que, apesar de a maioridade encerrar o poder familiar, o dever de pagar pensão deveria continuar, com base no princípio da solidariedade entre parentes. No entanto, o Tribunal rejeitou o pedido, mantendo a decisão anterior.
Ainda de acordo com o autor, a mãe não promoveu ação de exoneração de alimentos, nem apontou em sua defesa o casamento como fator extintivo da obrigação alimentar. Por esse motivo, como argumentou o filho, houve a preclusão da matéria relacionada ao seu casamento, que não pode ser invocada posteriormente, por não se tratar de fato novo.
A tese foi rechaçada pelo TJSP, uma vez que se trata de “matéria de ordem pública, o que faz possível a sua apreciação independentemente de ter sido intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença”. O julgador também salientou não ser absoluta a regra sobre a necessidade de provocação do Judiciário para a exoneração de alimentos.
“Em regra é necessária a propositura de ação de exoneração, no entanto, há hipóteses em que a exoneração pode se dar de outra forma, desde que respeitado o contraditório, como no caso concreto”, ponderou o relator.
Segundo o acórdão, nos termos do artigo 1.703 do Código Civil, os genitores têm o dever absoluto de sustentar seus filhos menores, em razão do poder familiar. Contudo, com a maioridade, o dever de prestar alimentos passa a decorrer da relação de parentesco (artigo 1.694).
Direito irrenunciável
Marcelo Truzzi explica que o direito a alimentos entre parentes existe em qualquer idade e não pode ser renunciado, mas muda conforme a situação do alimentado.
“Enquanto a pessoa é menor de idade, os pais têm o dever de pagar alimentos com base na presunção de necessidade, ou seja, não é preciso provar que o menor precisa desse sustento. Esses alimentos incluem tanto o necessário para a sobrevivência quanto para manter o padrão de vida da criança ou adolescente. Essa presunção também vale se o filho maior de idade ainda estiver cursando faculdade, conforme a Súmula 358, do Superior Tribunal de Justiça – STJ”, afirma.
Ao atingir a maioridade, a situação muda. “Não há mais presunção de necessidade automática, e o dever alimentar se transforma em uma obrigação que depende de provas. O alimentado maior de idade precisa demonstrar que não consegue sustentar-se sozinho, por exemplo, devido a uma doença, desemprego ou outra situação que o coloque em vulnerabilidade.”
Nesses casos, os alimentos serão limitados ao mínimo necessário para a subsistência e apenas pelo tempo em que durar a situação de necessidade comprovada, segundo o especialista. Além disso, será levado em conta se quem deve pagar os alimentos têm condições financeiras de fazê-lo.
Validade
Marcelo Truzzi acrescenta que, quando uma obrigação alimentar é estabelecida sem prazo final, presume-se que ela continuará válida até que um juiz reconheça que não há mais necessidade de sua manutenção.
“Isso acontece porque, conforme a Súmula 358 do STJ, o dever de pagar alimentos não termina automaticamente quando o alimentado atinge a maioridade. Para encerrar essa obrigação, é necessário garantir que o alimentado tenha a oportunidade de se manifestar, respeitando o princípio do contraditório”, explica.
Segundo o advogado, para evitar problemas futuros, é fundamental que o alimentante obtenha um documento formal comprovando o fim da obrigação.
“Isso pode ser feito por meio de um acordo com o alimentado ou por uma decisão judicial. A única exceção seria uma situação evidente em que o alimentado tenha plena capacidade financeira de se sustentar, tornando desnecessária a continuidade da obrigação”, aponta.
Processo 1005866-07.2019.8.26.0066
Por Guilherme Gomes
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