Notícias
CNJ lança Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial que visa equidade no Judiciário
Documento orienta magistrados a considerar impactos do racismo e interseccionalidades nas decisões
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou, na última semana, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, documento que busca orientar o Judiciário na condução de processos e decisões considerando os impactos do racismo e interseccionalidades, como questões de gênero.
A advogada Gabriella Andréa Pereira, presidente da Comissão de Diversidade e Inclusão Racial do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que o Protocolo é essencial para promover a equidade e Justiça no Brasil, levando em conta o contexto sócio-histórico e estrutural de desigualdades raciais. Para ela, essa medida permite enfrentar práticas discriminatórias que impactam na tramitação processual e nas decisões judiciais.
“O protocolo reconhece a existência do racismo estrutural como uma mácula também no sistema judiciário, e poderá, a partir de agora, contribuir para a redução de decisões que perpetuam essas desigualdades. Assim, será possível produzir uma verdadeira dignidade para todas as pessoas, com a efetivação dos direitos constitucionais”, avalia.
A especialista observa que a norma reconhece que as experiências de discriminação não ocorrem de forma isolada. “As pessoas são atravessadas simultaneamente por opressões interseccionais sistemáticas e interligadas a outros marcadores sociais, como gênero, classe, orientação sexual, território e etnia. Nesse sentido, ele orienta os magistrados a analisarem detidamente o contexto social das partes, avaliando como os fatores sociais interligados agravam – ou atenuam – as situações de vulnerabilidade.”
Como é o Protocolo?
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, aprovado no Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, durante a 15ª Sessão Ordinária, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal – STF, estabelece três pilares fundamentais para sua implementação:
- A formação continuada, com cursos obrigatórios sobre racismo e equidade racial voltados para todo o corpo funcional do Judiciário, incluindo as Cortes Superiores;
- O monitoramento contínuo, por meio de estudos analíticos sobre gênero, raça, cor e identidade de gênero, para avaliar práticas, procedimentos e jurisprudências;
- A supervisão correicional, que acompanha e identifica padrões discriminatórios e estereótipos raciais e de gênero por parte dos órgãos correcionais.
Ele é dividido em cinco partes. A introdução apresenta princípios e normativas nacionais e internacionais sobre o combate ao racismo, enquanto os conceitos fundamentais abordam temas como racismo estrutural, vieses implícitos e interseccionalidades, com base em estudos acadêmicos. Já as orientações práticas trazem checklists e recomendações para diferentes etapas processuais, incluindo análise de provas e correção de vieses.
Além disso, o documento explora os impactos do racismo em diversas áreas do Direito, como Famílias, Trabalho, Penal e Civil. Por fim, apresenta estratégias de implementação que preveem capacitação contínua, monitoramento de resultados e o fortalecimento do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial – Fonaer.
Justiça e contextualização
Gabriella Andréa Pereira destaca que, embora a implementação de políticas e ações afirmativas seja um processo constante e gradual, espera-se que a aprovação do Protocolo contribua para decisões mais justas e contextualizadas. “Isso deve resultar em sentenças que reconheçam e busquem verdadeiramente mitigar as desigualdades estruturais, promovendo a reparação de injustiças históricas, independentemente da área de atuação”, afirma.
A advogada espera também que o documento sensibilize magistrados, servidores, promotores, defensores e operadores do sistema judiciário, por uma educação continuada a fim de um letramento racial, com capacitações e formações para a erradicação das microagressões cotidianas que ocorrem no Poder Judiciário. “É dessa forma que as políticas públicas são fortalecidas para o enfrentamento das violências e racismos diários, em busca de um cenário de equidade racial”, defende.
“A implementação de toda política ou ação afirmativa precisa ser ativamente cobrada por parte dos usuários e beneficiários do sistema de Justiça, sobretudo por meio da advocacia, para que funcionem, uma vez que a alteração de um status de ‘normalidade’, encontra resistências culturais, geracionais e principalmente institucionais para que as mudanças ocorram e para que os privilégios sejam reconhecidos e combatidos”, ela comenta.
A especialista avalia que o letramento racial no Brasil ainda é incipiente, o que faz com que muitas pessoas não reconheçam, em si, raça, classe, etnia, território e, por fim, privilégios sociais, raciais e econômicos que fazem com que a estrutura do sistema judiciário permaneça inalterada.
“Por esse motivo, a educação continuada, bem como as fases de monitoramento e avaliação dessa política pública, são tão importantes para uniformizar a aplicação e a implementação do protocolo em todo território nacional, concedendo uma infraestrutura adequada para treinar, capacitar, educar e letrar os operadores do Direito, a fim de assegurar que os impactos do Protocolo sejam efetivamente contextuais e eficazes para todas as pessoas”, diz.
Por Guilherme Gomes
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br