Notícias
Irmãos devem ser indenizados por casal que desistiu de adoção
Atualizado em 21/11/2024
Três irmãos de 1, 6 e 7 anos que voltaram ao sistema de adoção devem ser indenizados pelo casal que desistiu do processo durante o período de convivência por “ausência de gratidão” das crianças. Após pedido do Ministério Público do Paraná – MPPR, elas receberão R$ 50 mil por danos morais, segundo informações divulgadas pelo site de notícias UOL.
O valor da indenização será dividido em partes iguais entre as duas crianças mais velhas. Segundo a promotoria, elas "já têm consciência do processo a que foram submetidas".
O casal habilitado fez todo o processo para adotar os três irmãos. Após uma etapa inicial, com seis encontros, com pernoites e permanência deles na casa da família, foi concedida a guarda provisória dos três para uma fase de estágio de convivência, cuja duração inicial estabelecida era de 90 dias.
Antes de o prazo finalizar, o casal desistiu da adoção. A alegação, segundo o MPPR, era o mau comportamento das crianças, "brigas constantes" e "ausência de gratidão".
Diante da situação, o Ministério Público então entrou na Justiça com uma ação, pedindo os danos morais.
O Judiciário entendeu que as brigas são comuns à fase da infância, "ficando demonstrado o despreparo e idealização do casal sobre o exercício da própria função parental" e evidenciando "uma postura autocentrada e indesejável". Segundo o MP, as crianças já se sentiam seguras e adaptadas ao casal, e ficaram culpadas pelo fracasso do processo.
Compromisso unilateral parental
A vice-presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Luiza Simonetti, alerta para a crescente relativização da importância do preparo necessário para a adoção.
“Muito embora se pressuponha que o cuidado se converta em vínculo afetivo entre pais e filhos e, por consequência, em reconhecimento, vale lembrar que a gratidão dos filhos se trata de uma expectativa irreal”, afirma.
Para ela, “filho é responsabilidade, uma obrigação unilateral dos pais até a maioridade”, sendo o vínculo afetivo, até esse momento, “um movimento exclusivo dos adultos que cuidam e educam”.
A advogada ressalta que o amadurecimento necessário para que os filhos reconheçam, enquanto adultos, as ações benéficas de seus pais não ocorre de forma imediata.
“Espera-se que as crianças cresçam e tenham o amadurecimento para reconhecer, depois de adultos, as ações benéficas de seus pais e só aí se tornem responsáveis pela contrapartida de afeto”, explica.
Sobre a condenação ao pagamento de indenização por danos morais em favor de crianças, Luiza Simonetti observa que “não se trata, propriamente, de uma inovação ou algo a ser comemorado”. Para ela, a decisão judicial deve servir como advertência aos operadores dos processos de adoção, destacando a importância de critérios mais rígidos para a habilitação.
“O filtro para o credenciamento de habilitados está na rigidez e na qualidade do preparo desses adotantes”, avalia. “Espero que a aplicação do valor da indenização seja revertida integralmente em favor do atendimento psicológico da criança e no seu crescimento pedagógico”, conclui.
Impactos psicológicos
A psicóloga Glicia Brazil, vice-presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, considera a desistência, em um processo de adoção, como um ato de impacto emocional significativo, sobretudo para a criança.
“Essa rejeição reforça uma sensação de abandono preexistente e perpetua a crença de que ela não é digna de amor ou de pertencimento. A repetição do abandono transmite uma mensagem implícita devastadora: algo está errado com ela, o que a torna responsável pelo desamor e pela rejeição vivida”.
Segundo ela, tal experiência pode gerar traumas profundos, ampliados quando os adultos ao redor tentam minimizar a dor da criança, desconsiderando o sofrimento que ela expressa. “O psicanalista Sándor Ferenczi descreve esse fenômeno como o ‘trauma do desmentido’, em que a dor é invalidada, o que intensifica o impacto emocional e a sensação de desamparo”, explica.
A especialista defende que o acompanhamento psicológico é essencial para que a criança reconstrua sua autoestima, resgate sua confiança e compreenda que a rejeição não é de sua responsabilidade, mas sim “uma consequência das limitações emocionais e expectativas frustradas dos adultos envolvidos”.
“Ao mesmo tempo, os pais que desistem da adoção também necessitam de suporte profissional para lidar com suas razões e refletir sobre as expectativas e inaptidões que os levaram a essa decisão, prevenindo que situações semelhantes se repitam”, argumenta.
Glicia Brazil acrescenta que a experiência da rejeição precisa ser reconhecida, validada e acompanhada por profissionais e instituições de acolhimento.
“Permitir que a criança viva e compreenda sua dor é o primeiro passo para que ela ressignifique o ocorrido e consiga seguir adiante. Esse trabalho é essencial para que ela não internalize a culpa pela rejeição e consiga enxergar a si mesma como uma pessoa digna de amor, cuidado e pertencimento”, diz.
Por Guilherme Gomes
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br