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Mediação no Brasil: desafios e perspectivas no Nordeste
A mediação tem-se consolidado como uma ferramenta essencial na resolução ágil e eficaz de conflitos no Brasil. Em cada região, especialistas trabalham para promover e fortalecer essa técnica como alternativa ao litígio tradicional, destacando tanto seus benefícios quanto seus desafios.
Com isso em mente, o IBDFAM convocou representantes das Comissões estaduais para traçar um panorama da Mediação no Brasil. As cinco matérias focam em cada uma das regiões do país, oferecendo um panorama regional sobre a evolução da técnica, suas particularidades locais e as perspectivas futuras.
A Região Nordeste
Composta por nove estados – Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe –, a Região Nordeste é marcada pela diversidade cultural e social, que influencia diretamente os tipos de conflitos e as formas de resolução adotadas. Embora a mediação esteja em crescimento, ainda enfrenta desafios relacionados à adaptação das práticas ao contexto local e à conscientização da população sobre seus benefícios.
Os representantes das comissões estaduais ouvidos pelo IBDFAM destacam que, apesar do progresso em algumas áreas, há a necessidade de ampliar o alcance da mediação, especialmente em regiões mais carentes, e de investir em uma formação contínua e qualificada dos mediadores. Confira:
Alagoas
A mediação familiar ainda é pouco conhecida pela maioria da população em Alagoas, e grande parte da advocacia não acredita na eficácia da forma como é aplicada no Estado. Embora o Poder Judiciário tenha expandido os CEJUSCs, com 20 centros pré-processuais na capital e seis no interior, muitos juízes preferem realizar as audiências de mediação nas próprias varas, conduzindo sessões de conciliação, o que difere do ideal previsto na lei. No campo extrajudicial, a mediação ainda é incipiente. Embora haja câmaras como a CAMEAL e a Con.vivência, que iniciou recentemente um trabalho de conscientização, esse movimento é tímido. Um dos principais desafios é a falta de divulgação da mediação como um método eficaz de resolução de conflitos, além da necessidade de aprimorar a aplicação no Judiciário, criando um setor específico para a mediação e adaptando melhor as salas do CEJUSC para garantir o sigilo das audiências. A Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) realiza projetos de mediação familiar, mas não há iniciativas específicas em relação a temas de família e sucessões.
(Karin M. M. Marques – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Alagoas – IBDFAM-AL).
Bahia
No Brasil, ainda prevalece uma cultura de judicialização, em que muitos acreditam que o litígio na Justiça comum é o caminho ideal para resolver conflitos, especialmente em questões familiares, o que reduz a adesão à mediação como uma solução eficaz. Além disso, muitos advogados demonstram resistência ou desconhecimento sobre a mediação, temendo que isso diminua seu papel, embora sua participação seja crucial para orientar clientes nesse processo. A falta de infraestrutura e mediadores capacitados, especialmente em áreas rurais, agrava a situação, somada à carência de campanhas informativas e educativas para informar a população sobre os benefícios da mediação. Na Bahia, diferenças culturais e regionais também impactam a forma como os conflitos são percebidos e a mediação é adotada, exigindo abordagens mais sensíveis às particularidades locais. A mediação tem sido cada vez mais vista como uma ferramenta eficaz na Bahia, especialmente em casos familiares. Ela promove soluções consensuais que tendem a ser mais rigorosas e satisfatórias para ambas as partes. A prática ainda encontra desafios para ser plenamente eficaz, mas há avanços notáveis com iniciativas locais de mediação dentro do Tribunal de Justiça e da Defensoria Pública. Na Bahia, o TJBA, a Defensoria Pública e o MP-BA têm impulsionado a mediação familiar e sucessória, com destaque para os CEJUSCs, que facilitam a resolução rápida de conflitos. Em Salvador, a mediação vem crescendo, especialmente em áreas como conflitos familiares e sucessões, mas ainda há espaço para maior adesão. Para fortalecer essa prática, é fundamental investir em parcerias público-privadas, capacitação de mediadores, incentivos tributários para acordos mediados e o uso de plataformas digitais, facilitando o acesso à mediação em todo o Estado.
(Maria Lucia Garcia Rosas – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Bahia – IBDFAM-BA).
Ceará
No Ceará, a mediação enfrenta desafios significativos, especialmente em conflitos familiares, devido à falta de conscientização da população sobre suas vantagens. A cultura de judicialização dos conflitos ainda prevalece, com muitos desconhecendo os benefícios da mediação, que oferece uma alternativa mais rápida e pacífica, focada no diálogo e na construção de soluções mutuamente satisfatórias. Outro obstáculo é a formação adequada de mediadores, que precisam desenvolver habilidades específicas como empatia e escuta ativa, essenciais para lidar com a alta carga emocional dos casos familiares. A dificuldade de acesso ao serviço em áreas mais remotas também é um problema. Além disso, as Câmaras Privadas de Mediação, que podem oferecer soluções mais céleres e flexíveis, ainda não têm amplo reconhecimento como uma opção válida para resolução de litígios familiares, o que limita seu uso como uma alternativa ao sistema público. A mediação tem-se mostrado uma política pública eficaz no Ceará, especialmente em litígios familiares e sucessórios.
(Ana Karine – Representante da Comissão de Mediação e Práticas Colaborativas do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Ceará – IBDFAM-CE).
Maranhão
No Maranhão, embora existam centros judiciais especializados em solução de conflitos familiares, a mediação familiar enfrenta vários desafios. Entre eles estão a complexidade e diversidade de interesses nas demandas familiares, o envolvimento de emoções e afetividade nos conflitos, e a falta de habilidades comunicacionais e emocionais para lidar com o outro e consigo mesmo. Além disso, há uma cultura de litígio e dificuldade em agir cooperativamente, dificuldade em construir acordos eficazes e em fazer concessões. Somam-se a isso o desconhecimento sobre a mediação e seus benefícios, além da falta de profissionais qualificados, tanto no Judiciário quanto na advocacia, para aplicar a mediação familiar. No Maranhão, o CEJUSC possui uma unidade específica para demandas familiares e tem desenvolvido programas de qualificação de servidores para melhor atender às particularidades desses conflitos. Além disso, a implantação de práticas colaborativas e o incentivo à resolução consensual, em parceria com o Ministério Público e a OAB-MA, também têm contribuído significativamente para o avanço da mediação familiar no Estado. A OAB-MA, por sua vez, vem investindo na capacitação de seus membros para aprimorar a atuação nesses casos. Essas iniciativas são fundamentais para enfrentar os desafios existentes e promover soluções mais adequadas e eficazes.
(Teresa Soares – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Maranhão – IBDFAM-MA).
Paraíba
Na Paraíba, faltam profissionais capacitados para aplicarem a mediação da forma prevista em lei e investimento em cursos de aperfeiçoamento. A mediação é uma excelente oportunidade para resolução desses conflitos, por permitir que as partes, com a ajuda do mediador, cheguem à solução dos seus problemas, que por serem de ordem familiar necessitam de uma escuta mais ativa. O Tribunal possui núcleos de medição, mas nas Varas de Família e Sucessões raramente os processos são enviados para estes núcleos. Comumente são os juízes que irão julgar o caso que realizam as audiências de conciliação e mediação nos processos.
(Renata Torres Mangueira – Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Paraíba – IBDFAM-PB).
Pernambuco
A cultura da litigância ainda representa um grande desafio na mediação familiar. Muitos advogados preferem buscar o litígio em vez de incentivar uma solução consensual, especialmente em casos de família, em que os sentimentos das partes estão frequentemente intensos, devido a expectativas frustradas e histórias de vida. O papel do advogado é crucial para direcionar o conflito para uma resolução consensual, mas, apesar dos avanços trazidos pela Lei de Mediação e o Código de Processo Civil de 2015, muitos ainda resistem à mediação. A situação se torna ainda mais complicada quando advogados não especialistas atuam em demandas familiares, que exigem uma escuta ativa mais apurada devido à sensibilidade envolvida. Outro fator a ser considerado é o papel do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Outro desafio é a falta de tempo adequado para as sessões de mediação familiar. Além disso, os cargos de mediadores em mediações processuais são ocupados por servidores em funções comissionadas, sem a realização de concurso específico para a área, o que leva à ocupação de vagas por pessoas que nem sempre têm o perfil adequado. No âmbito pré-processual, os mediadores são, em sua maioria, voluntários, e as mediações em cartório ainda estão em fase inicial, assim como a possibilidade de convênios e credenciamentos com câmaras privadas. Outro fator que desestimula a mediação é a baixa remuneração prevista para os mediadores.
(Patrícia Freire – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Alagoas – IBDFAM-PE).
Piauí
No Piauí, o principal desafio é a qualificação voltada para mediadores que tenham mais familiaridade com as ações de família. Podendo ter, por exemplo, uma preparação específica para esses tipos de causas que demandam uma preparação e especialização maior do mediador. Exemplo que podemos observar quando os mediadores tentam conversar com as partes para tentar reatar o casamento ou união estável. Em algumas situações, a mediação traz bons resultados em questões de litígios, porém, falta uma maior especialização dos mediadores nas demandas familiares e nas diversas dinâmicas familiares. Tanto TJ, MP e Defensoria Pública do Estado do Piauí possuem projetos com o intuito de promover a resolução de conflitos, como por exemplo “Oficina Pais e Filhos”, desenvolvido pela DPE-PI e parceria com TJ-PI. Contudo, fazem-se necessários um maior estímulo e divulgação desses projetos para que seja possível alcançar um número maior de acordos processuais.
(Ana Leticia Arraes – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Piauí – IBDFAM-PI).
Rio Grande do Norte
Um dos principais desafios enfrentados pela mediação no Rio Grande do Norte, no contexto dos conflitos familiares, é a integração entre advocacia e mediação. Ainda há uma barreira na percepção de que ambas as práticas podem ser complementares. Muitos advogados não veem a mediação como uma aliada, o que acaba limitando o potencial desse método para resolver conflitos de forma colaborativa. Outro desafio é a variação na qualidade dos profissionais envolvidos. Advogados familiaristas consultados para embasar essa resposta destacam que o sucesso da mediação está diretamente ligado à competência técnica do mediador, o que afeta diretamente a confiança da população nesse processo. A distinção entre conciliação e mediação ainda é confusa, sendo o juiz quem decide qual procedimento será aplicado. Projetos como o "Laços de Família", do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN, e o Centro de Mediação Extrajudicial, do Ministério Público do Rio Grande do Norte – MPRN, têm promovido a mediação familiar, incentivando uma resolução pacífica dos conflitos, apesar das dificuldades.
(Elanne Canuto – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio de Grande do Norte – IBDFAM-RN).
Sergipe
Em Sergipe, temos a mediação judicial e a extrajudicial, e ainda enfrentamos a dificuldade de uma mudança cultural, ou seja, da cultura do litígio para a do diálogo e negociação, tanto por parte dos advogados quanto da sociedade. Essa mudança está ocorrendo lentamente, com uma maior conscientização de todos. O principal desafio é desenvolver a mediação extrajudicial. A mediação judicial, especialmente a familiar, já está consolidada, com o Tribunal direcionando as partes para, ao menos, a primeira sessão, e, se houver aceitação, o processo de mediação segue até a resolução do conflito. No entanto, na mediação extrajudicial, os advogados têm evitado buscar câmaras privadas, alegando que isso aumentaria os custos do processo, devido à necessidade de pagamento da câmara e do mediador. Tanto o Tribunal de Justiça quanto o Ministério Público de Sergipe têm desenvolvido programas internos de disseminação e resolução de conflitos, com o objetivo de resolver as controvérsias de forma mais rápida e satisfatória, especialmente nos conflitos familiares, que envolvem muitos fatores emocionais para casais e filhos.
(João Alberto Santos de Oliveira – Representante da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Sergipe – IBDFAM-SE).
Por Guilherme Gomes
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