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Congresso do Mercosul reúne 700 congressistas em Gramado e discute reforma do Código Civil

Na última semana, o Congresso do Mercosul voltou a fazer de Gramado, na Serra Gaúcha, o centro do Direito das Famílias e Sucessões. Nos dias 11 e 12 de outubro, o evento, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, reuniu cerca de 700 congressistas que acompanharam a fala de mais de 30 palestrantes.
A tragédia ambiental que assolou o Estado no início do ano deu o tom da sessão solene de abertura, no Palácio dos Festivais, onde o presidente do IBDFAM-RS, Conrado Paulino da Rosa, recebeu uma homenagem pela força e resiliência durante o difícil período.
"Em maio, estava tudo pronto, mas o Congresso não pôde ser realizado tradicionalmente. Não havia condições para isso. O evento estava preparado, tudo pronto, mas a enchente, uma das piores da história, foi devastadora. Foi um momento que exigiu coragem, e, naquele momento, Conrado Paulino da Rosa, nosso presidente, nosso líder espiritual, tomou a difícil decisão de adiar o congresso", destacou o texto assinado pelos membros do IBDFAM.
A conferência de abertura foi conduzida pelo presidente nacional do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, que chamou atenção para a importância do diálogo com a arte para compreender as relações humanas. “Como a arte e suas diversas linguagens – a poesia, as artes visuais, a performance e o cinema – podem nos ajudar a refletir sobre o Direito de Família?”, questionou ele, que tratou especificamente do cinema e deu destaque para o filme “Uma Linda Mulher”, que retrata, já em 1990, a relação hoje conhecida como sugar.
Rodrigo da Cunha Pareira, presidente do IBDFAM, durante palestra no XIV Congresso do Mercosul. (Imagem por IBDFAM-RS)
Reforma do Código Civil
O grande assunto desta 14ª edição do Congresso foi a reforma do Código Civil, cujo anteprojeto produzido pela Comissão de Juristas foi entregue ao Senado em abril passado. As propostas de mudança permearam a maioria das palestras e ganharam especial destaque em um painel totalmente dedicado a elas e conduzido pelos juristas Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, Giselda Hironaka e Rolf Madaleno, diretores nacionais do Instituto, que fazem parte da Comissão.
Maria Berenice Dias deu um panorama geral sobre as propostas de mudança da norma. A jurista abordou o fato do anteprojeto não tratar de temas importantes como a Alienação Parental. Rolf Madaleno falou sobre a fraude à meação e à partilha de bens. E Giselda Hironaka deu ênfase para a sucessão legítima e a concorrência sucessória.
O primeiro dia de palestras também foi marcado por temas de gênero. Diretora da região Centro-Oeste do IBDFAM, Eliene Ferreira Bastos falou sobre maternalismo e o cuidado não remunerado. “Trata-se dessa cultura que nos aprisiona, como se a maternidade e os cuidados com a família fossem, por si só, atribuições exclusivas das mulheres. É uma questão de gênero que precisa ser discutida, pois tem repercussões profundas. Quando observamos a definição da guarda compartilhada, por exemplo, muitas vezes ela é usada mais como uma barganha em relação aos alimentos do que como uma verdadeira divisão de responsabilidades pelo cuidado. E esse cuidado, que ainda vemos sendo invisibilizado em muitos casos, é um trabalho não remunerado, e não pode permanecer na invisibilidade”, afirmou.
Bruna Barbieri Waquim, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Maranhão – IBDFAM-MA, falou sobre o atual status da Alienação Parental. "A alienação parental é um fenômeno complexo, comparável a um grande mosaico, no qual várias peças compõem um quadro geral. Dentro desse quadro está o ato de alienação parental. Hoje, na doutrina internacional, fala-se em 'comportamentos parentais alienadores'. Esse tipo de comportamento visa lesar, prejudicar e destruir o relacionamento de uma criança ou adolescente com um familiar que lhe seja significativo. Esse comportamento é que deve ser o foco do Direito”, apontou.
O diálogo com a arte e a reforma do Código Civil andaram juntos na palestra de Luciana Pedroso Xavier, que utilizou uma série de produções audiovisuais para explicar como os trusts podem aprimorar o Direito das Famílias e das Sucessões no Brasil. “Diversos artigos do anteprojeto de reforma do Código Civil visam ampliar o instituto do que é semelhante ao trust e várias obras cinematográficas demonstram que essa temática está muito mais próxima da nossa cultura do que imaginamos”, destacou.
Maria Berenice Dias, vice presidente do IBDFAM, Giselda Hironaka e Rolf Madeleno, diretores do IBDFAM, durante palestra no XIV Congresso do Mercosul sobre a reforma do Código Civil. (Imagem por IBDFAM)
Novo local
O segundo dia do Congresso do Mercosul começou movimentado. No período da manhã, mesas-redondas aconteceram de forma simultânea, tanto no Palácio dos Festivais quanto no Recreio Gramadense. Nelas, especialistas de renome se reuniram para discutir temas como filiação, planejamento sucessório, perícias sociais e psicológicas nos processos de família, violência doméstica, mediação e a proteção da infância nos meios digitais.
No período da tarde, as palestras foram retomadas somente no Palácio dos Festivais. O Direito Sucessório ganhou atenção especial na palestra de Conrado Paulino da Rosa, que abordou o tema da doação e do planejamento sucessório. Já Viviane Girardi, diretora do IBDFAM, falou sobre testamento. Além disso, a advogada Everilda Brandão apresentou uma visão contemporânea sobre o Direito Real de Habitação.
Outro destaque foi a palestra do promotor de Justiça Fernando Gaburri, membro do IBDFAM, que tratou dos aspectos práticos do processo de curatela. “É importante discutir a teoria da injustiça epistêmica como uma forma de garantir a participação das pessoas com deficiência no processo decisório, inclusive na aprovação de projetos de lei que atendam às suas necessidades”, afirmou.
O encerramento ficou por conta de João Aguirre, que subiu ao palco para falar sobre boa-fé e suas consequências no Direito de Família e Sucessões. Ao finalizar a palestra, ele prestou mais uma homenagem ao Rio Grande do Sul. “O que vocês viveram aqui foi uma tragédia, uma intempérie, superada de maneira digna e maravilhosa. Meu pedido de aplausos vai para o IBDFAM do Rio Grande do Sul, por tudo o que vocês fizeram este ano e nos dias em que estamos aqui. Fica toda a minha admiração, amizade e o orgulho de poder participar e trilhar esse caminho com vocês, especialmente nos últimos meses, de forma tão grandiosa”, finalizou.
Ao fim, Conrado Paulino da Rosa anunciou que, na próxima edição, o popularmente chamado “Congresso de Gramado” passa a ser o “Congresso de Bento Gonçalves”, já que o evento mudará de local. Salve a data: 29 e 30 de maio de 2025!
João Aguirre encerra o XIV Congresso do Mercosul com palestra sobre a boa-fé e suas consequências no Direito das Famílias e Sucessões. (Imagem por IBDFAM-RS)
Quatro perguntas para… Renato Noguera, escritor e doutor em Filosofia
O escritor e doutor em Filosofia Renato Noguera foi um dos destaques do XIV Congresso do Mercosul, com a palestra “Famílias e afetos em contextos culturais cosmofóbicos e cosmofílicos”. Em entrevista ao IBDFAM, ele define os conceitos de “cosmofobia” e “cosmofilia” e sugere que o Direito das Famílias pode evoluir ao reconhecer novos arranjos familiares e ao oferecer suporte multiprofissional para a resolução de conflitos emocionais. Confira:
IBDFAM - Como o senhor define, de forma prática, os conceitos de "cosmofobia" e "cosmofilia" no contexto das famílias e dos afetos?
Renato Noguera - Uma boa forma de apresentar os conceitos bispianos de cosmofobia e cosmofilia nos contextos familiares é através de duas noções: disfuncionalidade e funcionalidade afetivas. A cosmofobia é uma atmosfera afetiva de pessoas em estado de desorganização; a cosmofilia remete à capacidade de autorregulação diante dos desafios, a frustração não desorganiza as famílias.
IBDFAM - Quais são os principais desafios enfrentados pelas famílias que vivem em sociedades com fortes traços cosmofóbicos? E como esses desafios afetam as dinâmicas afetivas dentro dessas famílias?
Renato Noguera - São inúmeros desafios, dentre os quais, intolerância e abuso de poder, o que afeta as famílias por conta de violências de todos os tipos, desde simbólicas às agressões físicas, permissividade ou autoritarismo. Ou seja, famílias que perdem os contornos emocionais e não sabem dialogar sobre o que sentem, o que pensam e como gostariam de satisfazer as suas necessidades.
IBDFAM - Como as manifestações culturais cosmofílicas podem contribuir para a ressignificação das estruturas familiares e dos relacionamentos afetivos no mundo contemporâneo?
Renato Noguera - Não existe uma só forma de contribuição das manifestações culturais cosmofílicas para ressignificação das estruturas familiares e dos relacionamentos afetivos no mundo contemporâneo, mas, uma perspectiva está na promoção de imaginários amorosos, permitindo que as pessoas experimentem vivências mais colaborativas. O que ajuda a enfrentar o narcisismo patológico que acomete cotidianos familiares numa sociedade que promove o culto do individualismo.
IBDFAM - Na sua visão, de que forma o direito de família pode evoluir para se adequar às novas demandas afetivas e familiares que surgem em contextos culturais diversificados e globalizados?
Renato Noguera - Eu não tenho formação jurídica para apresentar uma descrição consistente e detalhada. Mas, dentre as pistas, encaminhamentos de reconhecimento de arranjos familiares poliafetivos, garantia dos direitos à multiparentalidade, desjudicializar os conflitos emocionais ofertando suporte multiprofissional que envolvam psicólogas, assistentes sociais; acesso à medicina de família; garantir diretiva antecipada de vontade (testamento vital), evitando conflitos por disputa de heranças após morte de matriarca ou patriarca.
Renato Noguera durante palestra no XIV Congresso do Mercosul. (Imagem por IBDFAM-RS)
Por Guilherme Gomes
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