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Justiça do Mato Grosso reconhece paternidade socioafetiva e autoriza alteração do registro civil; processo durou dois dias

Em apenas dois dias, um homem conquistou na Justiça do Mato Grosso o reconhecimento da paternidade socioafetiva e a exclusão da paternidade biológica do registro civil. O pleito teve a concordância do genitor, que assinou termo em que admite ter sido ausente na vida do filho. A decisão é da 3ª Vara Especial de Família da Comarca de Cuiabá.
De acordo com o processo, o genitor abandonou a família assim que o filho nasceu e nunca procurou estabelecer vínculo com ele, tampouco contribuir financeiramente para seu desenvolvimento.
Quando o menino tinha 3 anos, a mãe iniciou um novo relacionamento e, desde o início, o homem assumiu o papel de pai e criou com a criança uma forte relação de afeto e cuidado antes mesmo de se casar com a mulher.
Atualmente, o casal está divorciado, mas o vínculo afetivo entre pai e filho por socioafetividade continua. Por isso, aos 29 anos, os dois buscaram a Justiça com o objetivo de tornar legal uma relação construída ao longo das últimas três décadas.
Protocolada em 27 de setembro, a ação foi distribuída e, no dia 30, a sentença foi proferida.
Adoção de maior
Na decisão, a juíza esclarece que, apesar do pedido inicial constar como ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva cumulada com exclusão de paternidade biológica, o caso foi julgado como ação de adoção de maior de idade, uma vez que reconhecer a filiação socioafetiva não pressupõe a extinção do vínculo biológico.
“O instituto jurídico pertinente, que autoriza a exclusão da paternidade biológica em detrimento do reconhecimento da paternidade pelo afeto é o da adoção, seja de menor ou maior de idade. Assim, apesar dos institutos serem bastante similares, pois em ambos há o reconhecimento irrevogável da constituição de família por meio da filiação não biológica, há de ser feita a devida distinção”, ela explica.
A magistrada lembra também que, tanto o Código Civil quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA preveem a adoção de maiores de 18 anos desde que haja assistência efetiva do Poder Público; o adotando tenha no máximo 18 anos por ocasião do pedido de adoção, exceto quando já estiver sob a guarda do adotante; e o adotante ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
Além disso, ela destaca que o genitor biológico anuiu expressamente o poder familiar em decorrência da paternidade.
"Resta visível dos autos que a pretensão apresenta reais vantagens ao adotando e funda-se em motivos legítimos, quais sejam a intenção de legalizar a família de fato já constituída há anos, atendendo assim ao disposto no artigo 43 do ECA", escreve.
Atuaram no caso os advogados Naime Márcio Martins Moraes e Ulysses Lacerda Moraes.
Resposta sui generis
“A decisão surpreendente, de forma positiva, em todos os aspectos, considerando a cultura do próprio Judiciário brasileiro, que normalmente é moroso, burocrático e prolixo. Entretanto, nesse caso, a resposta foi sui generis”, afirma Naime, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Apesar de ter sustentado, no pedido, a exclusão da paternidade biológica e a inclusão do nome do pai socioafetivo com fundamentos como o abandono afetivo e material por parte do pai biológico, a permissividade da Lei de Registros Públicos e a jurisprudência dos tribunais de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, o advogado destaca que a ação foi acolhida integralmente, porém com o suporte da adoção.
“O importante é que a prestação jurisdicional foi efetiva e atingiu o objetivo desejado. Foi rápida, eficaz e atendeu ao interesse das partes. Ressalvo, porém, que a tese e a base jurídica da exordial também podem ser aplicadas nesse caso”, defende.
Ainda assim, ele avalia que os argumentos utilizados pela Justiça mato-grossense mostram um caminho que possibilita a regularização de casos semelhantes.
“A decisão traz uma aplicação prática do direito processual ao aplicar um princípio importante que encurtou o trâmite do processo. A magistrada, de forma eficiente, acolheu a ação com base em um fundamento jurídico diferente do inicialmente requerido e, no direito material, utilizou uma base jurídica mais apropriada ao caso, satisfazendo plenamente a vontade das partes”, pontua.
Por Guilherme Gomes
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