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STJ exclui direito real de habitação de viúva em favor de herdeiros
“O direito real de habitação não pode ser analisado de forma literal ou estática”, analisa Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Direito das Sucessões do IBDFAM
O direito real de habitação garante ao cônjuge ou companheiro sobrevivente o uso vitalício do imóvel onde reside, independentemente de ser proprietário. Prevista no Código Civil, a regra foi flexibilizada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que a excluiu em favor dos herdeiros. “O direito real de habitação não pode ser analisado de forma literal ou estática, apenas pelo que está previsto na lei”, avalia a advogada e professora Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias – IBDFAM.
A decisão é da Terceira Turma do STJ, que deu provimento ao recurso especial movido pelos herdeiros de um homem falecido há 20 anos, cuja viúva recebe pensão pela morte do marido. Diante da permanência dela em um imóvel que pertence ao patrimônio do pai, os filhos buscaram a Justiça para questionar o direito real de habitação, uma vez que a viúva recebe proventos de uma renda considerada de alto padrão, o que a possibilita de viver em outro imóvel, sem prejuízo a si ou a seu sustento.
“Considerando que esse direito tem como objetivo concretizar a proteção à moradia, é essencial analisar, no caso concreto, se há realmente a necessidade de aplicação”, observa Ana Luiza Nevares. “No caso específico, parece que ficou claro para o julgamento que a viúva tinha plenas condições de garantir sua moradia independentemente do imóvel objeto do direito real de habitação. Ao fazer um cotejo com os outros herdeiros, ficou evidente que eles precisavam mais do imóvel do que a própria viúva”, afirma.
No recurso julgado, o Tribunal de origem manteve o direito real de habitação sobre o único imóvel a inventariar, sendo que, ao longo do trâmite processual, comprovou-se que a viúva recebe pensão vitalícia em montante elevado e os herdeiros são os proprietários do imóvel, sendo que não receberam quaisquer outros valores a título de pensão, e alugam outros bens para residirem com seus descendentes, netos do falecido, os quais também poderiam ser abrigados no imóvel inventariado.
Caso a caso
Ao analisar o caso, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, explicou que o objetivo da lei é permitir que o cônjuge ou companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que reside ao tempo da sucessão, como forma não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, considerando o vínculo afetivo e psicológico com o imóvel onde constituíram um lar.
Apesar disso, ela pontuou que o direito pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar entre os descendentes, e o convivente possuir recursos financeiros para assegurar sua subsistência e moradia digna. Ou seja, eventual relativização da regra é possível, e deve ser analisada de modo casuístico, "confrontando-se a necessidade de prevalência do direito dos herdeiros em face do direito do consorte".
"Não obstante sua notável envergadura no cenário nacional, o direito real de habitação não é absoluto, e em hipóteses específicas e excepcionais, quando não atender à finalidade social a que se propõe, poderá sofrer mitigação", concluiu a relatora.
Ana Luiza Nevares concorda e argumenta: “O direito real de habitação deve ser aplicado quando ele é realmente essencial para tutelar o direito à moradia. Assim como, em outros casos, pode ser necessário concedê-lo, mesmo que não estejam previstos todos os requisitos legais – como a existência de mais de um imóvel residencial –, para evitar a ausência de proteção à moradia da viúva”.
Para a advogada e professora, a flexibilidade da regra é essencial para a correta aplicação do direito real de habitação. “Se é verdade que precisamos ajustar esse direito para excluí-lo em alguns casos, em outras situações poderemos ter cenários em que, mesmo que o falecido tenha três ou quatro imóveis residenciais, será garantido o direito real de habitação, porque haverá a necessidade de tutela da moradia, ainda que nem todos os requisitos estejam presentes”, pontua.
REsp 2.151.939
Por Guilherme Gomes
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