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A favor e contra: veja os argumentos sobre os efeitos retroativos na conversão de união estável em debate no STF
Especialistas debatem os impactos jurídicos da aplicação retroativa das regras do casamento e argumentam sobre proteção patrimonial e direitos de terceiros
A discussão sobre a conversão da união estável em casamento com efeitos retroativos chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF e aqueceu o debate sobre liberdade de escolha. Entre especialistas do Direito das Famílias, a questão não é unânime. Alguns especialistas defendem que a ausência de retroatividade nas regras do casamento é ilegítima, enquanto outros alertam que aplicá-las retroativamente pode causar insegurança jurídica e comprometer a estabilidade de situações já consolidadas.
No STF, os ministros reconheceram a repercussão geral da matéria, o que significa que a tese a ser fixada será aplicada aos demais processos semelhantes em andamento na Justiça. Para o relator, ministro Flávio Dino, a discussão diz respeito à extensão da proteção devida pelo Estado às famílias formadas inicialmente por meio da união estável, depois convertidas em casamento.
Enquanto a Corte não define a data prevista para o julgamento do mérito, veja os argumentos usados por especialistas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM a favor e contra os efeitos retroativos da conversão:
A favor: respeitar o direito de terceiros
O advogado Paulo Iotti, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é a favor da retroatividade, desde que se respeitem os direitos de terceiros.
“Não vejo razão legítima para interpretar a lei de forma restritiva, afirmando que ela não permite tal retroatividade, desde que não cause prejuízo a ninguém”, afirma.
Segundo ele, esse é um aspecto que pode ser verificado no pedido, quando é possível exigir que as partes apresentem certidões negativas de processos e protestos.
“Caso exista algo relevante, o juiz ou o cartório serão informados, garantindo que a alteração não prejudique eventuais direitos de terceiros, especialmente em casos específicos de fraude envolvendo integrantes da união estável. A lei não proíbe expressamente a retroatividade, de modo que qualquer interpretação contrária seria restritiva”, argumenta.
E acrescenta: “Como a restrição de direitos, especialmente o direito fundamental à liberdade, só se justifica quando o Estado intervém para proteger terceiros, considero que, na ausência de prejuízo, não há razão jurídica válida para impedir a retroatividade. Entendo que impedir tal retroação seria uma restrição ilegítima aos direitos das pessoas integrantes da união estável”.
Contra: proteção patrimonial
O jurista Paulo Lôbo, membro-fundador do IBDFAM, defende que as relações pessoais e patrimoniais da união estável devem permanecer com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de existência até a conversão.
“Assim, se os agora cônjuges tiverem optado pelo regime de separação total de bens, mediante pacto antenupcial, os bens adquiridos durante a união estável e que ingressaram no regime legal de comunhão parcial (Código Civil, art. 1.725) permanecerão em condomínio”, explica.
Ele afirma que deve ser respeitado o princípio da proteção dos interesses de terceiros de boa-fé, que confiaram no regime de bens vigente no momento em que os membros da união estável assumiram suas obrigações patrimoniais.
“Cada entidade familiar entretém infinitas relações de caráter econômico, para o provimento, desenvolvimento ou manutenção da família, ao longo de sua existência. Por se tratar de direitos patrimoniais, terceiros são os que estejam de boa-fé e possam ser atingidos em seus patrimônios ou créditos com a alteração do regime de bens, da união estável ao casamento. Em relação aos terceiros, especialmente os credores, não pode a mudança de regime, na conversão ao casamento, permitir aos cônjuges que ajam fraudulentamente contra os interesses daqueles”, pontua.
Sendo assim, Paulo Lôbo argumenta que a alteração do regime de bens deve valer apenas para o futuro, com o objetivo de não prejudicar os atos jurídicos perfeitos.
“A mudança poderá alcançar os atos passados se o regime adotado beneficiar terceiro de boa-fé, pela ampliação das garantias patrimoniais. Fora dessa hipótese, a liberdade de escolha do regime não pode definir seus efeitos jurídicos, de modo a desfazer o regime anterior”, avalia.
Para o jurista, “a liberdade de escolha pode mascarar a fixação de regime prejudicial à pessoa mais vulnerável do casal, seja pelo desconhecimento de seus efeitos futuros, seja pela velada imposição de vontade”. E conclui: “A suposta liberdade pode ser a porta de abusos”.
Entenda o caso
A retroatividade da conversão da união estável em casamento é tratada no Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1405467 (Tema 1313).
O caso concreto diz respeito a um casal que, desde 1995, vivia em regime de união estável e teve dois filhos. Em 2006, para que os filhos tivessem direito à cidadania austríaca, eles pediram a conversão da união estável em casamento, mas com efeitos retroativos.
A Justiça só deferiu a conversão a partir de 2017, quando saiu a decisão, levando-os a reiterar o pedido de retroatividade em nova ação, ajuizada em 2019, acrescentando, ainda, outro pedido, desta vez para mudança do regime de bens.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT abriu prazo para que o pedido relativo à retroatividade fosse excluído da ação, porque já tinha sido decidido. Como isso não foi feito, extinguiu o processo.
No recurso ao STF, o casal argumenta que, em respeito ao princípio do acesso à Justiça, o TJDFT deveria analisar o outro pedido, que nunca havia sido apreciado no segundo processo.
Por Guilherme Gomes
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