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Número de varas exclusivas para casos de violência doméstica e familiar cresce, mas ainda é insuficiente, segundo especialistas
“Quando os juizados especializados lidam com uma grande quantidade de processos isso compromete a eficácia e a celeridade da Justiça”, analisa a vice-presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o Brasil possui atualmente 194 juizados ou varas exclusivas para casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Apesar de ter crescido nos últimos dois anos, a estrutura se vê diante do aumento de processos de violência doméstica e feminicídio no país. Logo, especialistas questionam se ela está adequadamente distribuída e preparada para atender à demanda.
“São poucas as comarcas que possuem varas especializadas”, afirma Izabelle Ramalho, vice-presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM. “Muitos locais do país estão localizados em comarcas de vara única, que precisam abarcar todas as demandas daquela região, independente da temática. Isso representa um grande obstáculo para a estruturação e implementação das varas especializadas. Além disso, nos locais onde elas existem, frequentemente enfrentam um acúmulo processual gigantesco, o que acaba gerando morosidade na resposta jurisdicional”, acrescenta.
O levantamento realizado pelo IBDFAM aponta o aumento no número de varas exclusivas para o tratamento dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. As unidades chegam a 194, em 2024, contra as 153 apontadas pelo relatório “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Os tribunais com maior quantidade de varas ou juizados exclusivos são o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, com 21 unidades; o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, com 19 unidades; o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, com 14 unidades; o Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR e o Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE, ambos com 10 unidades.
As varas especializadas
Previstos na Lei Maria da Penha (11.340/2006), esses juizados são órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Izabelle Ramalho explica que a criação desses juizados com competência híbrida reflete as causas da violência doméstica e familiar contra a mulher, que em geral não se limitam ao âmbito criminal.
“O que é a violência doméstica e familiar? Segundo o artigo 5º da Lei Maria da Penha trata-se de toda ação ou omissão, baseada no gênero, que ocorra em uma relação de afeto ou em um contexto doméstico ou familiar, causando sofrimento, lesão, dano físico, psicológico, moral, sexual ou patrimonial à mulher. Por isso, esses juizados devem abarcar tanto causas criminais quanto outras, como as de família”, afirma.
De acordo com a especialista, as jurisdições têm capacidade de tratar sobre questões relacionadas à guarda, alimentos e outras medidas protetivas que estão previstas na lei.
“O artigo 22, ao estabelecer as medidas protetivas de urgência, menciona a possibilidade de decretar alimentos provisórios e restringir a guarda dos filhos, além de regulamentar a convivência. O artigo 23 aborda a separação de corpos, enquanto o artigo 24 trata de questões patrimoniais, permitindo, por exemplo, a suspensão de procurações outorgadas pela vítima ao cônjuge ofensor”, aponta.
Acesso à Justiça
Apesar dos termos da lei, não são incomuns os casos em que vítimas enfrentam dificuldade de acesso à Justiça mesmo nas varas especializadas. A questão foi levantada pelo IBDFAM em participação no STF Escuta
Representando o Instituto, a advogada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, afirmou que a realidade muitas vezes não corresponde às diretrizes estabelecidas na legislação. "As mulheres em situação de violência continuam enfrentando múltiplas barreiras. O tratamento fragmentado apenas reforça a violência institucional, transformando o processo judicial em uma verdadeira saga para alcançar a Justiça”, disse.
Izabelle Ramalho concorda e acrescenta que, em 2019, a Lei Maria da Penha foi alterada para que fossem permitidas, de forma expressa, ações de divórcio – entre outras demandas de Direito das Famílias decorrentes da violência doméstica e familiar – perante as varas especializadas. Ainda assim, ela afirma que a realidade tem-se imposto diante das demandas.
“A Lei Maria da Penha tem sido aperfeiçoada no sentido de tornar essas competências mais claras. No entanto, na prática, observamos que muitos juizados de violência doméstica e familiar não aceitam processar e julgar demandas de Direito das Famílias no contexto da violência doméstica. Muitas vezes, os juízes se declaram incompetentes para julgar questões como guarda e alimentos, encaminhando esses casos para as varas de Família”, argumenta.
Para a especialista, a prática é prejudicial porque as demandas que envolvem violência contra a mulher carecem de olhar especializado. “Esses obstáculos decorrem, em grande parte, da falta de aplicação dos dispositivos da Lei Maria da Penha. Se esses dispositivos fossem aplicados de maneira correta, poderíamos ter varas especializadas que reunissem todas as demandas decorrentes da violência doméstica”, afirma.
Morosidade
Dados que integram o já mencionado relatório, “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”, revelam que ingressaram no Poder Judiciário 640.867 mil processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio em 2022. No mesmo período, foram proferidas 399.228 mil sentenças, com ou sem resolução de mérito.
O estudo apontou que, excluídas as cautelares, a média geral do tempo até o primeiro julgamento é muito próxima entre os processos que tramitaram nas varas analisadas: 2 anos e 10 meses para as varas não exclusivas e 2 anos e 9 meses para as varas exclusivas.
“Quando os juizados especializados lidam com uma grande quantidade de processos, isso compromete a eficácia e a celeridade da Justiça, evidenciando a necessidade urgente de mais varas especializadas em violência doméstica em todo o país”, analisa Izabelle Ramalho.
Segundo ela, uma das saídas encontradas são as campanhas que estabelecem metas para que os processos sejam julgados em mutirões de audiência.
“As campanhas do CNJ, como a ‘Justiça pela Paz em Casa’, são extremamente importantes e imprescindíveis, mas elas também surgem como uma resposta para tentar reduzir o acúmulo processual. Esse acúmulo, por si só, já evidencia que essas varas não estão adequadamente preparadas para atender à demanda existente. Se estivessem, não haveria necessidade de mutirões de audiência para lidar com o excesso de processos”, afirma.
Por Guilherme Gomes
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