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26 de agosto: Lei da Alienação Parental completa 14 anos
A Lei da Alienação Parental – LAP (12.318/2010), que completa 14 anos nesta segunda-feira (26), reconhece a necessidade de proteção às crianças e adolescentes no ambiente familiar e institui medidas para garantir o bem-estar dessa parcela vulnerável da sociedade. Desde que entrou em vigor, o texto tem causado controvérsia entre especialistas que pleiteiam a manutenção e a revogação da norma.
A LAP considera como ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
A legislação exemplifica algumas hipóteses que configuram a prática, e as sanções variam desde advertência até a alteração no regime de guarda.
Em entrevista concedida no ano passado, a advogada Renata Nepomuceno e Cysne, coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM, abordou as principais controvérsias frisou: “É uma realidade que crianças e adolescentes têm sido utilizados como objeto em processos conflituosos de dissolução familiar e que esse envolvimento os coloca em situação de risco, o que atrai a necessidade de atuação do Judiciário”.
A Lei de Alienação Parental, segundo a advogada, além de nomear esse comportamento, fornece ferramentas de intervenção para a proteção de crianças e adolescentes. Para ela, a revogação iria gerar “uma lacuna considerável com relação à efetivação da convivência familiar e um retrocesso com relação à proteção de crianças e adolescentes”.
Código Civil
Apesar da relevância, o tema não foi abordado pela Comissão de Juristas criada para reformar o Código Civil, conforme noticiado pelo IBDFAM. Na votação das propostas de atualização, o grupo entendeu que as divergências sobre o assunto eram profundas e, por isso, não seria possível a construção de um consenso.
Os juristas sugeriram que as casas legislativas aprofundem o debate por meio de audiências públicas e de consulta à sociedade civil”. Relembre aqui.
Conscientização
Segundo a assessora jurídica Bruna Barbieri Waquim, educadora parental e membro do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM, a LAP cumpre um importante papel pedagógico de conscientização da sociedade. Ela compara a normativa à Lei de Feminicídio, pela transformação que ambas causaram na sociedade.
“Nosso Código Penal já previa o crime de homicídio, para sancionar a pessoa que tirasse a vida de outra, homem ou mulher. O problema ‘tirar a vida de alguém’ já era ‘resolvido’ pelo tipo penal ‘matar alguém’. Mas, a partir do momento que se percebeu que não bastava proteger a vida do coletivo ‘pessoas’, pois parte desses crimes estava ocorrendo por motivação de gênero e existia uma categoria adicional de vulnerabilidade às mulheres, o legislador achou por bem criar o tipo penal do feminicídio como forma de conscientizar a população sobre o problema do assassinato de mulheres por questão de gênero, e isso fez toda a comunidade jurídica, a sociedade em geral e os atores de políticas públicas lutarem de forma mais direcionada contra esse problema”, explica.
Para a especialista, a Lei de Alienação Parental cumpre o mesmo papel pedagógico. ”O ECA já previa medidas contra pais e responsáveis em virtude de criarem situações de risco a suas crianças e adolescentes, mas quando veio a Lei 12.318/2010, a sociedade passou a ser melhor conscientizada sobre a situação de risco específica da alienação parental, e isso fez com que muitos comportamentos, antes naturalizados, fossem enxergados como são: violências.”
Avanços
Bruna Barbieri acredita que o maior avanço da Lei de Alienação Parental foi “retirar a criança do status de mero objeto de tutela e intervenção, no âmbito da dissolução da união de seus pais, e reposicioná-la como sujeito de direito, para quem o evento divórcio deve ser moldado a fim de atender a seus melhores interesses”.
“Se, antes, na ação de divórcio e regulamentação de ‘visitas’, a vida da criança era adaptada às conveniências dos seus pais, e a ação era guiada pela necessidade de declarar um ‘vencedor’ e um ‘vencido’, agora, a Lei de Alienação Parental trouxe a conscientização de que muitos filhos são usados como armas e ferramentas de revanche, especialmente no âmbito do divórcio de seus genitores ou nos litígios pós-divórcios, e que a melhor decisão a ser proferida não é aquela que decide quem ganha ou perde a ação, quem fica ou não com a guarda, mas sim aquela que restabelece o equilíbrio nas famílias e na preservação dos direitos fundamentais da prole em comum, com o fomento da guarda compartilhada como remédio a essa tradição equivocada de que filhos são parte do patrimônio ‘partilhável’ do casal: um dos genitores cuida e o outro custeia”, pontua.
A assessora jurídica reconhece a necessidade de evitar o desvirtuamento do texto, “evitando que seja utilizada como matéria de defesa vazia, o que compromete a sua missão de proteção da infância e juventude contra os desvarios de seus cuidadores alienadores”.
“A instrução probatória da ação que trata de alienação parental deve ser feita de forma célere, mas aprofundada e consciente das repercussões que uma instrução deficitária vai provocar na formação psicológica e no exercício fundamental de convivência familiar da pessoa em desenvolvimento”, avalia.
Outro desafio, segundo ela, é a capacitação dos profissionais. “O tema é de recente descoberta científica (meados de 1970/1980) e não esteve presente na formação acadêmica de muitos profissionais que já se graduaram e pós-graduaram em suas áreas há mais décadas, e boa parte da produção literária sobre o fenômeno da Alienação Parental está escrita em outras línguas, muitos dos textos ainda não traduzidos para o Português, o que cria uma barreira da língua para a democratização do acesso a esse conhecimento científico.”
Ela acrescenta: “autores como Douglas Darnall, Amy Baker, Verocchio, Jeniffer Harmann, precisam ser conhecidos pelos profissionais em Direito e pelo grande público, pelas valiosas contribuições que fizeram e fazem para o estudo científico do fenômeno da alienação parental e sua repercussão prejudicial no desenvolvimento de crianças e adolescentes”.
Convivência familiar
Ainda de acordo com a especialista, “a norma traz uma importante previsão no caput do artigo 6º, que diz: ‘quando caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente’”.
Ela explica: “isso remete diretamente à finalidade da lei, que é restabelecer o direito da pessoa em desenvolvimento à normalidade e salubridade das suas relações familiares. Muitos confundem o objeto da Lei 12.318/2010 com a mera vontade punir o alienador quando isto não é verdade; acima de tudo, a lei objetiva respeitar a necessidade da criança ou do adolescente a conviver com todos os seus familiares e desfrutar de relações saudáveis e não tóxicas”.
“Tanto que as medidas da Lei 12.318/2010 devem ser aplicadas mesmo quando não caraterizados ‘atos típicos de alienação parental’, bastante a detecção de qualquer conduta que dificulte a convivência dessa criança e desse adolescente. Pela primeira vez no ordenamento jurídico, o direito à convivência familiar deixa de ser discutido no âmbito da colocação em família substituta (como a adoção), como tradicionalmente se resumia, e passa a ser discutido no âmbito de famílias intactas e famílias reconstituídas, posicionando a criança como credora de um tratamento respeitoso, digno e que respeite sua condição de sujeitos de direitos independente do grau e da natureza da relação entre seus cuidadores”, ressalta.
Bruna vê a manutenção da lei, mesmo após o intenso – e controverso – movimento de revogação, como “uma conquista em prol do reconhecimento de que a Lei de Alienação Parental integra o macrossistema da Proteção Integral e que deve ser continuamente aperfeiçoada, de acordo com as experiências e revelações trazidas pelo cotidiano de sua aplicação”.
“A Lei Maria da Penha já recebeu uma dúzia de modificações, para potencializar sua efetividade, assim como o próprio ECA, e a Lei de Alienação Parental deve ser seguir o mesmo movimento natural de aperfeiçoamento”, conclui.
Por Débora Anunciação
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