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Dia Nacional da Adoção: casais homoafetivos garantiram direito de adotar, mas ainda enfrentam o preconceito da sociedade
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal – STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão autorizou casais homoafetivos a se habilitarem para a adoção. Nove anos após a conquista, no contexto do Dia Nacional da Adoção, celebrado no próximo sábado (25), o cenário da adoção para casais formados por pessoas do mesmo sexo parece ter transposto a barreira da insegurança.
A jurista Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, esclarece que a adoção por homossexuais nunca foi proibida no Brasil. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA prevê que qualquer um possa adotar, mesmo que seja uma família monoparental. Antes da decisão do STF, quando casais homoafetivos decidiam adotar, apenas um se candidatava à adoção.
“Nada era questionado e nada era avaliado em relação à outra pessoa do casal, e a criança acabava convivendo em um lar com dois pais ou duas mães, porém, sem nenhum vínculo legal com o parceiro ou parceira do adotante. A criança ficava desprotegida, sem direito à identidade, alimentos, plano de saúde e herança, caso o adotante viesse a falecer”, explica.
Segundo ela, foi isso que levou a Corte Suprema a admitir, de forma protetiva, a possibilidade de um casal formado por duas pessoas do mesmo sexo de se habilitar à adoção. Tal prática já era comum na Justiça estadual desde o início dos anos 2000, porém tornou-se regra em 2015.
“No começo, houve resistência em alguns processos de habilitação em alguns fóruns, mas a questão agora está bastante consolidada. Existe, sim, a possibilidade de pares do mesmo sexo, quer sejam casados ou vivam em união estável, buscarem a adoção conjunta de crianças”, afirma.
Aumento no número de adoções
Maria Berenice Dias chama a atenção para o aumento no número de adoções no Brasil desde que casais homoafetivos passaram a ser aptos para adotar. Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – Arpen-BR, 50.838 crianças foram registradas por casais homoafetivos no Brasil de 2021 a 2023. O número reflete o reconhecimento das famílias homoafetivas, mas também marca um avanço significativo nas políticas de adoção e direitos no país.
“O que se tem visto é que, como esses casais não podem ter filhos biológicos, eles não são muito exigentes na hora de indicar o perfil da criança a ser adotada. Eles não sentem a necessidade de procurar uma criança que se pareça com eles, como acontece com muitos casais heteroafetivos, que preferem adotar crianças que possam se passar por seus filhos biológicos”, analisa.
Ela avalia que tais casais não costumam discriminar as crianças aptas à adoção. “Deve-se reconhecer que houve um grande aumento na adoção de crianças por famílias homoafetivas, especialmente crianças não brancas ou com algum tipo de deficiência. Isso é algo que está se consolidando neste país”, diz.
Resolução do CNJ
Apesar disso, a discriminação ainda contamina parte do sistema. Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou, em 2023, uma resolução que proíbe juízes e desembargadores de recusar pedidos de adoção ou tutela de crianças e adolescentes com o argumento de que os requerentes formam casal ou família monoparental, homoafetiva ou transgênero.
As diretrizes aprovadas determinam aos tribunais e à magistratura que zelem pela igualdade de direitos no combate a qualquer forma de discriminação à orientação sexual e à identidade de gênero. De acordo com o texto, são vedadas, nos processos de habilitação de pretendentes e nos casos de adoção de crianças e adolescentes, guarda e tutela, manifestações contrárias aos pedidos pelo fundamento de se tratar de família monoparental, homoafetivo ou transgênero. Saiba mais.
Em agosto do mesmo ano, o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP proibiu membros do Ministério Público – MP de se manifestarem contra a adoção de crianças e adolescentes com base na orientação sexual dos adotantes. A decisão pretendia combater a LGBTfobia nos processos de adoção e guarda.
As duas medidas foram aprovadas atendendo a pedido do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que disse ter sofrido preconceito durante a adoção dos seus filhos. O Ministério Público solicitou a rejeição do pedido, alegando que uma criança não deveria ter dois pais. A dupla paternidade, contudo, foi concedida.
Preconceito enraizado
“Embora a aceitação da adoção por casais homoafetivos tenha melhorado bastante, ainda há muito preconceito por parte da sociedade e até mesmo de muitas equipes técnicas dos serviços de acolhimento institucional a crianças e adolescentes. Infelizmente o preconceito está presente não apenas na sociedade, mas também na própria Justiça”, analisa a psicóloga Jadete Calixto, membro do IBDFAM.
A especialista afirma que os casais homoafetivos que desejam adotar precisam se preparar para enfrentar esse tipo de desafio, que não acaba com o fim do processo na Justiça.
“Os casais homoafetivos devem se preparar para orientar seus filhos, pois essas crianças ou adolescentes poderão enfrentar preconceito por parte de colegas na escola. Muitas vezes, quando as crianças ou adultos veem dois pais ou duas mães, as outras crianças perguntam”, avalia.
A especialista vê o cenário atual com esperança. “Tenho acompanhado com muita alegria a abertura de adoção por casais homoafetivos. Nos grupos de apoio à adoção, temos trabalhado bastante essa questão do enfrentamento do preconceito por parte da sociedade. É importante abordar esse tema. Somente assim podemos reduzir as crenças que limitam o direito de crianças e adolescentes”, diz.
IBDFAM realiza seminário sobre adoção
Hoje (23) é o último dia para se inscrever no II Seminário de Adoção do Instituto Brasileito de Direito de Família – IBDFAM. O evento on-line, via Zoom, será realizado amanhã (24), a partir das 9h.
Estão confirmados especialistas da área que vão discutir assuntos como destituição e extinção do poder familiar, prazos e adoção internacional.
O encontro contará com a presença de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, presidente e vice-presidente do IBDFAM, respectivamente.
Também participam especialistas como a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto; o procurador Sávio Bittencourt, presidente da Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM; e a advogada Iracelma Medeiros-Filipe, vice-presidente do Núcleo Angola do IBDFAM.
Confira a programação completa do evento no site e inscreva-se!
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br