Notícias
TJDFT admite "desfiliação" de paternidade por abandono afetivo
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT reconheceu e proveu apelação cível em ação de descontinuação da parentalidade e averbação de exclusão de paternidade do registro civil movida por uma mulher que sofreu abandono afetivo pelo pai biológico. A decisão permitiu a modificação do nome para suprimir a filiação paterna e promover o desligamento do poder familiar biológico.
De acordo com o advogado do caso, Pablo Malheiros, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, quando entrou com a demanda de "desfiliação", a filha tinha 25 anos e, no registro civil, constavam o pai biológico e o pai socioafetivo.
“Em primeiro grau, a Justiça julgou improcedente o pedido de descontinuação da paternidade sem enfrentar os argumentos de que a 'desfiliação' seria possível como um efeito decorrente do abandono afetivo. A sentença considerou que o registro civil não continha vício, o que nunca foi alegado pela autora. A questão toda era saber se o abandono afetivo gerava o efeito de 'desfiliação'”, explica.
Diante disso, foi feita apelação ao TJDFT, que reformou a sentença e deu provimento à apelação, julgando procedente os pedidos feitos pela parte autora, admitindo a possibilidade da "desfiliação" parental diante do abandono afetivo.
“Trata-se da primeira decisão de tribunal no Brasil sobre isso. O Superior Tribunal de Justiça – STJ já tinha admitido a retirada do sobrenome, mas nessa demanda nós pedimos todos os efeitos da 'desfiliação' e obtivemos êxito”, ele afirma.
Ele prevê que não haverá recurso da outra parte, portanto a decisão deve transitar em julgado no TJDFT.
“Essa decisão pode representar um marco para casos semelhantes em que se admita mais uma hipótese implícita de 'desfiliação' no Direito brasileiro como efeito do abandono afetivo. Para que ela ocorra, tem que haver a comprovação”, diz.
O que diz a sentença?
Na sentença, o juiz do caso leva em conta a Constituição Federal, que preconiza a família como base da sociedade. Sendo assim, ele afirma que os pais possuem o poder familiar como um dever, “cabendo-lhes assistir, criar e educar os filhos menores, com o estabelecimento das bases para uma vida digna”.
“A ausência dos laços afetivos transforma o núcleo familiar em referência de insegurança e hostilidade, de forma que o convívio do indivíduo com o sobrenome dos ascendentes pode ocasionar desconforto e sofrimento psíquico, motivo pelo qual a jurisprudência vem entendendo que o rol da Lei de Registros Públicos (6.015/1973) deve ser flexibilizado diante de circunstâncias excepcionais, como é o caso do abandono afetivo”, diz um trecho da decisão.
O juiz também cita o Código Civil, segundo o qual toda pessoa tem direito ao nome. “O direito ao nome e sobrenome envolve não apenas o direito registral, mas trata-se de direito fundamental, cujo sentido primordial é a tutela da dignidade da pessoa humana”, afirma.
A decisão compreende que o abandono afetivo configura motivo justo capaz de admitir a supressão do sobrenome. Além disso, o pedido de 'desfiliação' deve ser compreendido como de desligamento do vínculo do poder familiar biológico em decorrência do prejuízo causado aos direitos da personalidade da autora da ação.
“No caso dos autos, o incontroverso abandono afetivo é razão suficiente para demonstrar a repulsa da descendente em manter o registro de filiação do pai biológico. A existência de reconhecimento prévio de parentalidade socioafetiva fulminou o interesse de agir em relação ao ajuizamento de possível ação de adoção unilateral de adulto, mas não impede a observância do artigo 43 do ECA, no sentido de que a ruptura do vínculo seja pleiteada no melhor interesse do descendente”, finaliza a sentença.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br