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Proposta de reforma do Código Civil prevê exclusão do cônjuge e companheiro como herdeiro necessário
Entre as propostas de mudança presentes no anteprojeto de reforma do Código Civil, entregue ao Senado em abril passado, está a exclusão dos cônjuges da lista de herdeiros necessários. A sugestão da Comissão de Juristas gera polêmica. Especialistas afirmam que a mudança relega ao cônjuge uma posição menos favorecida na sucessão hereditária.
Esse é um dos argumentos da advogada e professora Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias – IBDFAM. Segundo ela, não foi atribuída uma tutela sucessória eficiente aos consortes sobreviventes que fossem dependentes financeiramente do falecido.
“No anteprojeto, o cônjuge e o companheiro são herdeiros apenas na falta de descendentes e ascendentes, tendo sido atribuído àqueles que comprovarem insuficiência de recursos ou patrimônio, a critério do juiz, um usufruto ‘sobre determinados bens da herança’, para garantir ‘a sua subsistência’, sendo certo que os poderes do usufrutuário são muito limitados, havendo diversas dificuldades em encaixar dito direito real sobre a herança, que é formada por bens de diversas naturezas, sem contar na concretização do conceito de ‘subsistência’, que não parece condizente quando se está a tratar da divisão de um patrimônio por herança”, afirma.
A advogada reconhece que a questão não é simples de ser resolvida por conta da atual diversidade de arranjos conjugais. Ela defende a criação de uma tutela sucessória que esteja ligada à dependência econômica do cônjuge ou do companheiro do falecido, à luz do padrão de vida que tinha com ele e as potencialidades da herança deixada.
“Diante das famílias recompostas, acho mais adequada uma tutela sucessória que extinga relações patrimoniais entre os herdeiros, para evitar problemas futuros. O usufruto é vitalício e perpetua as relações patrimoniais. Já o recebimento de uma cota da herança em propriedade plena encerra qualquer ligação patrimonial, salvo eventual condomínio que pode ser desfeito”, diz.
Segundo ela, o juiz, ao atribuir essa tutela sucessória, deve ter balizas bem definidas quanto ao quantum da cota do cônjuge, bem como quanto aos parâmetros para defini-la.
“Ao meu ver, seria mais adequado não excluir o cônjuge e o companheiro da concorrência sucessória em propriedade plena com os descendentes e ascendentes porque, dessa forma, haveria um limite até onde o julgador poderia prever o quinhão do consorte sobrevivente em caso de prova da dependência econômica. Nessa direção, o cônjuge e o companheiro poderiam ser afastados do rol dos herdeiros necessários, podendo pleitear uma cota da herança, no limite do que receberia se não houvesse testamento contendo a sua exclusão, se provasse a dependência econômica do falecido, havendo balizas bem definidas para o juiz julgar a questão”, aponta.
Propostas
Ana Nevares propõe como balizas a possibilidade da cota hereditária do cônjuge e do companheiro prevista ser imputada na reserva dos herdeiros necessários, sendo mantida em sua integralidade a quota disponível do autor da herança, sendo paga em dinheiro ou em bens da herança, cabendo a escolha aos herdeiros concorrentes. Além disso, na hipótese de pagamento da quota hereditária do cônjuge e do companheiro em bens da herança, aplicam-se os princípios e as regras da partilha.
“Na atribuição e na quantificação da quota hereditária do cônjuge e do companheiro, o juiz deve levar em conta os seguintes critérios: a meação atribuída ao consorte sobrevivente ou a existência de bens comuns com o falecido; dependência econômica do cônjuge e do companheiro sobreviventes em relação ao autor da herança; as particularidades e necessidades dos demais herdeiros concorrentes; a duração do vínculo conjugal ou da união estável; a contribuição do cônjuge e do companheiro sobreviventes para a prosperidade e para o bem-estar do falecido e de sua família e para a formação do acervo patrimonial hereditário; e a idade do cônjuge e do companheiro sobreviventes”, diz.
Ela defende a busca de um caminho intermediário ao proposto pela reforma do Código Civil, sob pena de as mulheres, principalmente, ficarem desprotegidas no falecimento de seus parceiros.
“Há, na sociedade conjugal, na maior parte das vezes, uma vulnerabilidade econômica das mulheres, que muitas vezes são dependentes financeiramente dos parceiros. Não é preciso ir muito longe nessa constatação, quando se sabe que as mulheres ganham menos do que os homens e que o desemprego afeta mais as primeiras. A mulher pode ter recursos para a sua ‘subsistência’, mas diante do padrão de vida que levava com o parceiro a dependência econômica pode ser evidente e a morte do marido ou do companheiro, que era o provedor do padrão de vida, pode ensejar necessidades econômicas que antes não existiam”, ela avalia.
Ana Luiza Nevares afirma que a herança, por ser finita, não dará conta de suportar as necessidades daqueles que viviam em dependência econômica da pessoa falecida. Contudo, segundo ela, na eleição daqueles que devem receber o patrimônio, não se pode deixar de pensar em quem dependia do falecido.
“Por diversas vezes, a esposa será dependente financeiramente do marido e o ascendente deste último não, por exemplo. Não obstante, o ascendente será herdeiro e a esposa não. Considerando o fato de que 90% do trabalho de cuidado com a família é realizado por mulheres, que são elas que abdicam de suas vidas profissionais em prol da família, a questão deve ser analisada sob a perspectiva de gênero”, pontua.
Proposta do anteprojeto do Código Civil é tema de artigo disponível no site do IBDFAM
Em artigo disponível na seção de artigos do portal do IBDFAM, Ana Luiza Nevares aprofunda o assunto. No texto, ela destaca a evolução das estruturas familiares ao longo do tempo, com a diversidade de arranjos conjugais e a mudança nos papéis de gênero. Aponta também para a inconstitucionalidade da distinção entre direitos sucessórios de cônjuges e companheiros.
A análise perpassa pela história dos direitos sucessórios, desde o Código Civil de 1916 até as propostas de reforma atuais. Ela destaca a elevação do cônjuge à centralidade na ordem de vocação hereditária no Código Civil de 2002 e a importância de garantir direitos iguais para cônjuges e companheiros.
A discussão sobre a igualdade de gênero é central e a autora ressalta as desigualdades econômicas entre homens e mulheres, bem como a sobrecarga de trabalho não remunerado assumida pelas mulheres, especialmente no cuidado da família.
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