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Justiça do Ceará concede retificação de registro civil post mortem à artista plástica trans
A 1ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte, do Poder Judiciário do Estado do Ceará, concedeu a retificação de registro civil post mortem à artista plástica transgênero Márcia Maia Mendonça, que faleceu em 1998, aos 49 anos, solteira, sem filhos e sem ascendentes vivos. A decisão autorizou a mudança dos registros civis das certidões de nascimento e óbito da artista, que agora passam a ter o nome com o qual ela se identificava em vida.
De acordo com a sentença, o processo foi ajuizado pelos três irmãos da artista. No pedido, eles sustentaram que “o direito à memória não se restringe à pessoa morta, mas alcança a coletividade”. Sendo assim, a procedência do pedido seria uma forma de reparar as dificuldades vivenciadas por ela quando viva.
Na sentença, a juíza Juliana Bragança Fernandes Lopes, responsável pelo caso, destacou que a documentação anterior “não refletia a identidade da falecida e que tal situação, portanto, feria o seu direito de personalidade”.
A magistrada também considerou a vontade da própria mulher, que foi expressa em uma biografia, bem como confirmada por familiares e testemunhas.
“A proteção aos direitos da personalidade não cessa com o fim da vida, pois permanece na memória. Tendo em vista que os registros no estado em que se encontram representam a continuidade de uma lesão, e que a memória da falecida pertence aos que desejam cessar com essa violação, é pertinente reconhecer a vontade de Márcia Maia Mendonça como legítima”, diz um trecho da decisão.
A sentença ainda contempla a correção da idade apresentada no registro de óbito, que havia sido erroneamente grafada. Na documentação verificada passará a constar que a artista plástica faleceu aos 49 anos, diferente dos 68 que constava anteriormente.
Decisão histórica
Para a advogada Gabriela Nascimento Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Ceará – IBDFAM-CE, que atuou no caso junto com os advogados Liane Mary Brito Mendonça e Alexandre França Magalhães, também membros da diretoria do IBDFAM-CE, trata-se de uma decisão vanguardista e histórica para a Justiça brasileira.
“A sentença foi dada mesmo diante de um parecer do Ministério Público que foi contrário ao pedido dos autores da ação. O MP, de forma muito conservadora e legalista, entendeu que os direitos da personalidade são intransmissíveis. Dessa forma, defendeu que os autores da ação, na condição tão somente de herdeiros de Márcia Maia Mendonça, seriam partes ilegítimas para entrar com o processo”, aponta.
“A decisão foi contrária a esse entendimento e fundamentada com base na vontade da artista, conforme prova apresentada nos autos, relativizando o dispositivo da lei e privilegiando a vontade da pessoa humana, sua subjetividade e individualidade”, esclarece.
Ela chama a atenção para a fundamentação da decisão que visou reparar a violência vivida pela artista plástica, garantindo o reconhecimento da vontade dela e honrando sua memória.
“Com essa decisão, a magistrada alcançou dois objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas, que prevê a inclusão social da falecida, inclusive de todos os seus familiares que a reconheciam como a sua vontade se manifestava, reconhecendo, após a morte da artista, o direito ao reconhecimento de sua identidade pessoal”, afirma.
Gabriela espera que a decisão sirva de parâmetro para outros casos semelhantes, reconhecendo que “o direito da personalidade deve ter sua amplitude respeitada mesmo após a morte”.
Processo 0200471-33.2023.8.06.0115
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