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Decisão do STF sobre licença-maternidade coloca em debate direitos e deveres parentais
A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF que reconheceu o direito à licença-maternidade de uma mãe não gestante em união homoafetiva colocou em debate a natureza do direito, uma vez que ele é concedido somente à mãe ou ao pai, em casos específicos. Especialistas defendem o rompimento com a ideia de que a criança fica sempre aos cuidados da mãe, em casa, enquanto o pai trabalha.
O STF fixou a tese de que a mãe servidora ou trabalhadora não gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade; caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade. Durante o julgamento, os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes questionaram o conceito normativo de família, o que poderia levantar divergências sobre a identidade parental.
Para o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro, presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é importante destacar que o salário-maternidade e a licença-paternidade foram criados em benefício da criança, independente da idade e origem, biológica ou não. Em relação a casais homoafetivos, não há controvérsia administrativa em relação ao deferimento do benefício à gestante. A dificuldade se dá quando o pedido é feito pela não gestante, como foi o caso da discussão que chegou ao STF.
“A decisão da Corte Superior prioriza a criança, uma vez que a escolha de quem irá se afastar para se dedicar à criança para recebimento do salário-maternidade é única e exclusivamente do casal. Em relação à licença-paternidade, não está disposta na norma previdenciária, mas sim trabalhista, o que demonstra a despreocupação do sistema em relação ao empresário e autônomo”, afirma.
Ausência não compensada
A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, no artigo 473, garante ao empregado, sem prejuízo do salário, deixar de comparecer por cinco dias. “Agora, se o pai ou a mãe for autônomo? Obviamente poderá se afastar, mas o sistema não compensará a sua ausência, um desestímulo a sua participação, uma vez que a Lei 8.213/1991, que trata sobre os benefícios da previdência, não assegura qualquer remuneração, mesmo havendo contribuição do segurado”, explica.
Atualmente, a legislação previdenciária prevê o afastamento somente da mãe durante 120 dias, podendo aumentar para 180, a depender das circunstâncias. De Tomasi acredita que o julgamento do tema 1072, do STF, deu o primeiro passo em direção a uma licença-parental ao priorizar o melhor interesse da criança. Em relação aos pais adotantes, a situação se agrava.
“O salário-maternidade é devido ao segurado ou à segurada da previdência social que adotar ou obtiver guarda judicial, pelo período de 120 dias. Entretanto, o afastamento remunerado está restrito a crianças de até 12 anos. Quanto menor a criança, maior a dependência mas, à princípio, mais fácil a adaptação. E o pré-adolescente, de 13 anos, por exemplo, como se dará o convívio inicial com a família?”, questiona.
O advogado defende uma mudança legal para a implementação de uma licença-parental para quem puder conviver com a criança, sem que seja necessariamente a gestante. “A alteração desses entendimentos, por meio de decisões judiciais, ficam restritas uma vez que não é permitido ao judiciário legislar. Assim, qualquer alteração legal é algo a ser feito via legislativo”, pontua.
Proposta legislativa
Desde 2021, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.974, que dispõe sobre o instituto da Parentalidade no Brasil e propõe uma “licença-parental”, válida para homens e mulheres. O texto institui, entre outras medidas, a garantia de 180 dias de licença para os dois responsáveis.
De autoria dos deputados Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ), o projeto altera a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, a Lei Orgânica da Seguridade Social, o Regime Geral da Previdência Social e a Lei da Empresa Cidadã.
Entre as mudanças promovidas pela proposta, está a concessão de licença parental remunerada de 180 dias a partir do nascimento, da adoção ou do fato gerador do direito à licença parental para cada pessoa de referência da criança ou do adolescente, limitada ao máximo de duas pessoas.
Atualmente, o projeto aguarda designação de relator na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.
A psicanalista Giselle Groeninga, Diretora de Relações Institucionais do IBDFAM, explica que a licença parental utiliza, de forma correta, o conceito de parentalidade, isto é, “função necessariamente complementar, como o são todas as funções, praticada pelo casal formado por quem exerce a função materna e a função paterna”.
“O casal parental não se confunde com a função materna e a função paterna, é um terceiro elemento dinâmico formado por um casal de pais que terá um vínculo com o bebê enquanto casal e um vínculo entre si. Atender ao interesse do bebê implica não apenas nas necessidades que ele tem do vínculo com a mãe e com o pai, mas do vínculo que ele estabelece com o casal de pais. Então, desde o início são importantes para a formação da personalidade estes três vínculos, esses três modelos: com o casal parental e com cada um deles em separado”, afirma.
Superior interesse da criança
A psicanalista reafirma que, ao tratar da licença-parental, o superior interesse é do bebê, o que inclui uma mãe relativamente tranquila para exercer sua função. Sendo assim, ela pode também ser cuidada pelo pai.
“Ao falarmos de licença-parental não há que se confundir simplesmente com a igualdade de direitos iguais entre mulheres e homens, um dos argumentos utilizados para defender a licença-paternidade, ou para quem exerça a função materna e paterna, mas sim da consideração das necessidades do bebê e daquelas inerentes diferenças entre quem gestou e quem não gestou. Há ainda outras diferenças a serem consideradas caso a caso, como por exemplo de quem amamenta e quem não amamenta”, defende.
Groeninga acrescenta que a participação de ambos os pais pode fortalecer o relacionamento familiar e o do casal conjugal a partir da grande mudança que ocorre com a chegada de um bebê
“Com esta mudança, muitas vezes o casal conjugal não consegue retomar o seu lugar, ficando absorvido pelo casal parental. O resultado disto pode ser um hiper investimento nos filhos e uma insatisfação quanto à conjugalidade, o que pode levar à dissolução do casal conjugal”, aponta.
A falta de envolvimento ou a ausência do pai ou da mãe pode ter várias consequências como, por exemplo, a falta de um modelo paterno ou materno, o que pode gerar o ressentimento por parte daquele que se viu sozinho na criação e educação da criança.
“O envolvimento de ambos os pais desde o início pode trazer o benefício de uma divisão equilibrada, complementar, no exercício das funções, tornando-se a família funcional, estabelecendo-se uma cooperação. Já a ausência, ou falta de envolvimento, pode contribuir para que a família se torne disfuncional, havendo um desequilíbrio no exercício das funções, o que pode acirrar, a posteriori, uma competição entre os pais, em que as funções sejam exercidas de forma paralela e não complementar. A falta e a ausência afetam a todos. Em família, as operações devem ser de soma e multiplicação e não de subtração ou divisão”, conclui.
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