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STF reconhece direito à licença-maternidade de mãe não gestante em união homoafetiva
O Supremo Tribunal Federal – STF negou provimento ao Recurso Extraordinário – RE 1211446 por unanimidade. Após divergência, a Corte fixou a tese de que a mãe servidora ou trabalhadora não gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade; caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade. O julgamento, que começou no último dia 7 de março, chegou ao fim na tarde desta quarta-feira (13), em sessão no plenário.
Os ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luiz Fux, que abordou premissas teóricas e conceitos modernos sobre família e direitos da trabalhadora. Ele destacou a concepção plural de família e seu reconhecimento legal.
“A Constituição Federal, ao sobrepor o princípio da dignidade da pessoa humana, inaugurou um regime que prevê formatos com vínculos afetivos diversos. A jurisprudência da Suprema Corte reforça essa interpretação plural da família, reconhecendo as uniões estáveis homoafetivas em 2011”, afirmou.
Fux chamou a atenção para o direito fundamental à licença-maternidade, o que, segundo o ministro, está alinhado à proteção da maternidade e à proteção da infância. “A licença-maternidade é um direito consagrado no rol dos direitos trabalhistas, relacionando-se à inserção da mulher no local de trabalho e ao bem-estar da criança recém-nascida”, pontuou.
O relator recorreu aos conceitos da Psicanálise e da Psicologia na fundamentação, destacando a importância do afastamento laboral remunerado para a harmonia do ambiente familiar, promovendo o desenvolvimento saudável da criança.
Por fim, ele salientou que a jurisprudência estabelece precedentes no sentido de equiparar os direitos à licença-maternidade entre mães gestantes e adotantes, além de reconhecer o direito à licença-paternidade. “O reconhecimento desses direitos fortalece a igualdade material e a proteção da criança”, defendeu.
Fux propôs a tese de que que a trabalhadora não gestante, regida pela CLT, e em união estável homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade, mas caso a companheira tenha usufruído do benefício, ela fará jus ao período análogo ao da licença-paternidade.
Ministros divergiram quanto à tese
Ao votar, o ministro Flávio Dino questionou a tese proposta pelo ministro Fux. “A discussão sobre o conceito normativo de família tem sido central em diferentes contextos e épocas. É relevante destacar uma consequência desse debate, especialmente quando se considera o caso de duas mulheres ou dois homens que venham a ter um filho. Enquanto uma mulher terá direito à licença-maternidade e, de maneira equivalente, à licença-paternidade, a mesma situação se aplicaria a dois homens, um desfrutando da licença-paternidade e, o outro, da licença-maternidade. Essa reflexão ressalta a necessidade de reconhecer e garantir direitos equitativos para diferentes configurações familiares”, questionou.
O ministro Alexandre de Moraes destacou a inviabilidade de replicar o modelo tido como tradicional de casamento para a união estável homoafetiva. “A abordagem de ‘essa é a mãe, essa outra é o pai’ reproduz o paradigma tradicional, contrário ao espírito da Constituição Federal. Essa classificação de uma das mulheres como pai, concedendo-lhe licença-paternidade, levanta divergências sobre a identidade materna. Conclui-se que é necessário equiparar o tratamento dado à licença adotante dupla, reconhecendo ambas as mulheres como mães”, afirmou.
O ministro Edson Fachin observou ser crucial afirmar, na primeira parte da tese, o reconhecimento da licença-maternidade como parte dos benefícios de natureza previdenciária. “Nesse sentido, o relator está correto ao capturar a realidade, reconhecendo a porosidade da estrutura familiar constitucionalmente reconhecida. Após a filtragem jurídica, é possível identificar certos comandos, incluindo a compreensão de que a licença não contempla apenas a mãe, mas sim a relação entre mãe e filho, uma dimensão valorativa que deve ser incorporada para garantir a proteção adequada.”
Ao fundamentar o voto, Fachin citou os trabalhos desenvolvidos pela advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
O caso concreto
O processo, que chegou ao STF em 2019, teve origem no caso de uma servidora municipal de São Bernardo do Campo, em São Paulo, que solicitou o direito à licença-maternidade de 180 dias depois que sua companheira engravidou por meio de inseminação artificial. O pedido foi negado sob o entendimento de que a legislação local não autoriza a concessão do direito na hipótese.
A mulher então acionou a Justiça e alegou que a criança integra uma família composta por duas mães e, na impossibilidade de a mãe que gestou o bebê ficar em casa, pois é autônoma e precisa trabalhar, a segunda tem direito à garantia constitucional de licença-maternidade.
O pedido foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau, e a sentença foi mantida pela Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.
O município recorreu ao STF com o argumento de que não há previsão legal que autorize o afastamento remunerado a título de licença-maternidade para a situação tratada nos autos, e que a Administração Pública está vinculada ao princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal.
Reconhecimento das famílias LGBTQIA+
Para Priscila de Oliveira Morégola Pires, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM, o caso chama a atenção para a necessidade de reconhecimento e proteção dos direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo, “garantindo que todas as mães, independentemente de sua gestação biológica, tenham direito à licença-maternidade para cuidar e apoiar seus filhos nos primeiros meses de vida”.
“A argumentação do município, baseada na ausência de previsão legal para essa situação, confronta-se com a necessidade de interpretação dos princípios constitucionais de igualdade e proteção à família, melhor interesse do menor, princípio da dignidade humana, que devem orientar a aplicação das leis de forma a garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos”, afirma.
Ela destaca que o STF, ao reconhecer o direito à licença-maternidade da mãe não gestante em união homoafetiva, reconhece a proteção das famílias LGBTQIA+.
“Ao reconhecer o direito à licença-maternidade para a mãe não gestante em união estável homoafetiva, o Tribunal estará contribuindo para a igualdade de tratamento e a inclusão dessas famílias na sociedade, e dando os direitos constitucionais sagrados como o direito à igualdade, à dignidade humana, à proteção integral ao menor e à família”, defende.
A especialista observa ainda o impacto da decisão para outros membros da comunidade LGBTQIA+. “Ao estabelecer um precedente favorável à proteção das famílias homoafetivas, o Tribunal estará sinalizando um compromisso com a igualdade e a não discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero, o que poderá influenciar futuras decisões judiciais e políticas públicas relacionadas aos direitos LGBTQIA+”, afirma.
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