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Especialista comenta decisão do STJ que afastou presunção de crime de estupro de vulnerável

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ reafirmou que, em casos excepcionalíssimos é possível afastar a presunção do crime de estupro de vulnerável nas relações sexuais com pessoa menor de 14 anos. O colegiado manteve, por 3 votos a 2, a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, que afastou a presunção do crime por “erro de proibição” – quando uma pessoa comete um crime supondo que essa conduta é legal ou legítima.
No caso dos autos, um homem de 20 anos engravidou uma menina de 12. O crime foi denunciado pela mãe da vítima.
Ao avaliar a questão, o STJ entendeu que rever essa conclusão demandaria reanálise de fatos e provas, medida vedada em sede de recurso especial.
O Código Penal, em seu artigo 217-A, tipifica a conduta de ter relação sexual com menor de 14 anos. Consentimento da vítima ou anterior experiência sexual não afastam a ocorrência do crime. O STJ tem tese vinculante sobre o tema, consolidada na Súmula 593.
Relator da matéria, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que impor a condenação do réu a uma pena que seria de, no mínimo, oito anos de prisão “significaria romper o núcleo familiar e prejudicar a criança que resultou do casal”. Os ministros Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas acompanharam o relator.
A ministra Daniela Teixeira abriu a divergência. De acordo com a ministra, “o Poder Judiciário não pode transigir com o que a lei traçou como um standard de civilidade: o marco absoluto de 14 anos de idade para definir o estupro de vulnerável”.
“O que vai acontecer é que os coronéis desse país vão misteriosamente se apaixonar pelas meninas de 12 anos. Essa será a principal excludente de ilicitude em todos os casos de estupro de vulnerável”, pontuou a magistrada.
No entendimento da ministra, o caso dos autos representa um estupro. Ela considera “pouco crível que o homem de 20 anos, que tirava a menina de 12 anos da escola para com ela se relacionar, não soubesse da ilicitude da conduta”.
“Não temos, no presente caso, uma família a ser protegida pelo Judiciário. Quando uma criança é submetida a situação de conjunção carnal, temos um âmbito de violência, e não de família”, frisou.
O ministro Messod Azulay acompanhou o voto vencido de Daniela Teixeira. Para ele, a presunção absoluta de estupro de vulnerável do menor de 14 anos, como prevista na lei, deve ser respeitada. “Não se pode flexibilizar porque houve um agravamento nisso tudo: um filho.”
AREsp 2.389.611
Infância
Para a psicóloga Glicia Brazil, vice-presidente da Comissão da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão é perigosa e amplia a vulnerabilidade de uma jovem menor de 14 anos. A especialista teme os efeitos para o desenvolvimento da menina na vida adulta.
“Ter morado junto com o homem, por si só, não quer dizer que ela estava livre e consciente e tinha o desejo de constituir família. Nessa idade, a pessoa ainda não está em grau de consentir ou, pelo menos, divergir, em face de um sujeito de 20 anos”, pondera Glicia.
No entendimento da psicóloga, o fato de a menina estar apaixonada pode representar uma fragilidade. “O fato é que ela ainda não tem compreensão e discernimento do que aconteceu.”
Glicia afirma que a decisão abala a proteção integral da criança e do adolescente. “No momento em que se relativiza que nem todo estupro praticado com menor de 14 anos houve violência, você está gerando pra essa vítima uma desproteção.”
A decisão, segundo ela, “vulnerabiliza ainda mais a criança em sua condição de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA”.
Por Débora Anunciação
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