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União Europeia propõe regulação do uso da Inteligência Artificial; quais as perspectivas no Brasil?
Recentemente, a União Europeia – UE chegou a um acordo provisório para regular o uso da Inteligência Artificial – IA nos países que compõem o bloco. O acordo político estabelece regras para que os usuários possam aproveitar os benefícios da tecnologia e, ainda assim, se protegerem dos possíveis riscos que elas possam apresentar. A proposta é inédita no restante do mundo e coloca em debate a necessidade de regulação da IA no Brasil.
Descrita como Lei da Inteligência Artificial, a legislação começou a ser discutida em outubro de 2020. Nela, estão destacadas as responsabilidades das empresas de tecnologia pelos conteúdos publicados. Além disso, a norma reconhece o direito ao esquecimento, que impede, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação.
A UE pede que as empresas que produzem tecnologia de inteligência artificial tenham um compromisso com a transparência. Por isso, imagens manipuladas, por exemplo, devem deixar claro que o conteúdo foi gerado pela IA.
O regulamento pede a elaboração de documento técnico e resumos detalhados sobre os conteúdos gerados pelo sistema de inteligência artificial. As empresas também passam a ser obrigadas a reportar à Comissão Europeia sobre incidentes graves, além de avaliar e mitigar riscos sistêmicos e realizar testes. Os cidadãos, por sua vez, devem ter o direito de apresentar queixas sobre os sistemas de IA e receber explicações sobre decisões que afetem os seus direitos.
As empresas que não cumprirem as regras podem enfrentar multas de 35 milhões de euros ou o equivalente a 7% de sua receita global.
A Lei da IA ainda será votada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, composto por representantes dos 27 países da União Europeia, para ter validade.
Eficácia da legislação
A advogada Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, destaca a importância da eficácia da regulação, a servir de modelo para o ordenamento jurídico brasileiro.
“A eficácia é fundamental para equilibrar a inovação e o progresso tecnológico com a proteção dos direitos individuais, garantindo transparência e responsabilização. Regular a IA é um desafio global em razão da alta velocidade com que a tecnologia vem sendo aprimorada. É uma área fundamental para o próprio desenvolvimento da humanidade, tanto em termos positivos quanto em termos negativos. A pergunta é: até onde essa tecnologia é capaz de chegar para que os limites possam ser efetivados?”, questiona.
Patricia Sanches lembra que, em 2018, foi publicada a Carta Magna de Estrasburgo, também chamada de “Carta Europeia de Ética sobre o Uso da Inteligência Artificial em Sistemas Judiciais e seu Ambiente”. Dois anos depois, em 2021, foi publicada a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, que consagra e tutela direitos, liberdades e garantias aplicáveis no ambiente da internet, possuindo um artigo dedicado à Inteligência Artificial, ressaltando a proteção da privacidade e a não discriminação.
“O caminho para a União Europeia, em termos de IA, já vem sendo pavimentado há anos, e o resultado é um regulamento amplo que atende a diversas áreas e que conjuga os pontos comuns de interesse aos países membros: ética e direitos fundamentais”, avalia.
A advogada defende a necessidade de limitações legais para garantir o caminho do desenvolvimento benéfico da sociedade por meio da IA. “Por isso, a importância da efetividade das regulamentações sobre essa tecnologia, porque de nada adianta um texto inspirador sem que se tenha o estabelecimento firme dos mecanismos de aplicabilidade da norma”, afirma.
Projetos de lei tramitam no Judiciário brasileiro
No Brasil, tramitam diversos projetos de lei que tratam da regulação da IA. “No entanto, a velocidade com que o legislador cria as leis é incompatível com a velocidade da tecnologia e, por consequência, com a necessidade da sociedade em ter seus direitos fundamentais protegidos e garantidos”, afirma Patrícia Sanches.
Ela destaca o Projeto de Lei 21/2020, que cria o Marco Legal da Inteligência Artificial, estabelecendo princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança dessa tecnologia. Atualmente, a proposta encontra-se na mesa diretora da Câmara dos Deputados desde outubro de 2021.
“Em dezembro de 2022, o grupo de trabalho criado pelo Senado, composto por juristas especializados, concluiu o texto substitutivo aos Projetos de Lei existentes sobre Inteligência Artificial (5.051/2019, 21/2020 e 871/2021) – mas ainda não temos o resultado legislativo que se espera”, afirma.
Os desafios que se impõem
Segundo a especialista, os desafios que a Inteligência Artificial impõe ao Direito das Famílias e Sucessões se relacionam com direitos fundamentais como a privacidade, a não discriminação e outras hipóteses lesivas no uso irrestrito da tecnologia.
“Recentemente nos deparamos com importantes discussões sobre a proteção da imagem-atributo de pessoas falecidas. Imagem e voz sendo recriadas pela IA em atividades que jamais foram realizadas, o que levantou a discussão sobre até onde vai o direito dos herdeiros de exporem e de explorarem os atributos da personalidade no pós-morte”, aponta.
Para Patrícia Sanches, a problemática principal é o limite ético na utilização da IA. “Existem sérias especulações sobre o desenvolvimento de úteros artificiais para a geração de seres humanos. Puxando o fio desse novelo tecnológico, surgem perguntas sem respostas sobre a responsabilidade parental na criação de crianças geradas organicamente pela IA, e sobre a capacidade jurídica e a personalidade dessas pessoas”, afirma.
Outro tema é a existência eterna alimentada pela IA por meio dos avatares, que passariam a ser considerados como uma extensão da personalidade.
“Partindo dessa realidade e considerando o princípio do livre desenvolvimento da personalidade, pessoas poderiam exigir expressar-se tão somente por meio da sua representação digital. Vem muita coisa por aí. A implantação de dispositivos tecnológicos ao corpo também já é uma realidade e levanta a discussão sobre as capacidades humanas. Ou seja, os desafios jurídicos são incontáveis e cada vez mais complexos, o que faz com que os profissionais do Direito precisem estar atentos em consideração à realidade da era digital”, conclui.
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