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Justiça de São Paulo fixa alimentos com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, serviu de base para a 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VII de Itaquera, em São Paulo, julgar procedente uma ação de alimentos que buscava arbitrar valor a ser pago pelo pai em favor da filha. Ao fixar os alimentos, a decisão também levou em conta o esforço da mãe com o cuidado da filha.
De acordo com o processo, ao ser citado, o homem alegou ter uma renda mensal de R$ 5 mil, que são usados para pagar a pensão de outra filha e contribuir no sustento de sua mãe e da sua atual namorada. Por isso, teria insistido no pagamento de R$ 925 mensais em alimentos.
Ao analisar o caso, a juíza responsável evocou o Protocolo do CNJ e chamou a atenção para o tópico que trata da "divisão sexual do trabalho", no qual são abordadas perspectivas históricas para julgamento conforme condições políticas, sociais e econômicas da sociedade.
"Historicamente, em nossa sociedade, atribui-se aos homens o trabalho produtivo e remunerado, enquanto que, às mulheres, é relevado o trabalho interno denominado 'economia de cuidado', geralmente desvalorizado. Referida condição deve ser observada nos julgamentos efetuados pelos magistrados do país e é adotado por este juízo", diz um trecho da sentença.
Sustento
Diante da alegação, por parte do réu, de que a genitora também deveria ser obrigada a sustentar a filha, a magistrada observou que a mãe já contribui na medida em que a menina está sob a guarda dela.
"Ela exerce, com exclusividade, a chamada 'economia de cuidado'. Esta última envolve muitas horas e tempo dedicado ao cuidado com a casa e com pessoas (...). A economia do cuidado é essencial para a humanidade. Todos nós precisamos de cuidados para existir. Embora tais tarefas não sejam precificadas, geram um custo físico, profissional, psíquico e patrimonial de quem os exerce. No caso in comento, como já dito, é a genitora da menor quem arca com todas estas tarefas e referida contribuição não pode ser menoscabada”, diz.
Ao analisar a alegação de que o réu contribui no sustento de sua mãe e da sua atual namorada, a magistrada afirma: "Não se mostra razoável fixar os alimentos devidos à filha em valor módico para que ele possa oferecer conforto à namorada. Pessoas adultas têm o dever de se sustentar e se o réu quer conceder benefícios à sua namorada, pode e deve fazê-lo, mas não à custa de sua filha".
Além disso, o fato dele possuir outro filho "não constitui motivo para fixar o valor dos alimentos em valor tão modesto". "A escolha de vasta prole não pode ser suscitada como motivo para fixar os alimentos em valor que não atenda às necessidades mínimas do infante, pois além de fomentar a paternidade irresponsável, transferiria para a genitora a quase totalidade da obrigação financeira que é de ambos (pai e mãe)", diz.
A juíza julgou a ação procedente e condenou o pai a pagar alimentos correspondentes a 16,5% de seus rendimentos líquidos ou a 100% do salário mínimo em caso de desemprego ou mesmo de um trabalho informal.
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Cultura patriarcal
Para Bruno Campos de Freitas, advogado do caso e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a fundamentação apresentada reflete a persistência da cultura patriarcal no Brasil.
“Apesar de a Lei da Guarda Compartilhada (13.058/2014) buscar equidade entre os pais em termos de poderes e responsabilidades parentais, na maioria dos casos a tendência está em atribuir à mulher, enquanto mãe, o papel predominante de cuidadora principal dos filhos”, analisa.
Para o advogado, a fixação dos alimentos foi abordada de forma abrangente, considerando não apenas os tradicionais critérios de necessidade e possibilidade, mas também introduzindo a perspectiva do "trabalho invisível" ou "economia do cuidado".
“O magistrado ressaltou a importância de reconhecer o valor do tempo dedicado pelos genitores aos cuidados dos filhos, referindo-se ao conhecido ditado popular ‘tempo é dinheiro’. Isso implica que a ausência de uma divisão equilibrada das responsabilidades parentais pode prejudicar um dos genitores, impactando seu tempo que poderia ser utilizado para atividades profissionais, lazer ou descanso”, afirma.
O advogado enfatiza que o reconhecimento do "trabalho invisível" é crucial para uma análise mais completa e justa, uma vez que vai além dos aspectos financeiros e considera o impacto da dedicação dos genitores no desenvolvimento e bem-estar dos filhos.
“Essa abordagem representa um passo importante em direção a uma compreensão mais abrangente das complexidades envolvidas em questões familiares perante a lei. A decisão destaca a necessidade de uma revisão contínua das práticas jurídicas para garantir uma aplicação justa e imparcial da lei da guarda compartilhada”, conclui.
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