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Crimes virtuais que envolvem crianças acendem alerta sobre abandono digital; pais podem ser responsabilizados?
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Casos de crimes em ambientes virtuais cometidos por ou contra crianças e adolescentes sem supervisão de um adulto têm colocado em debate a responsabilidade dos pais. Afinal, eles são culpados pela prática do abandono digital?
O termo se refere às situações em que crianças e adolescentes são deixados sem acompanhamento adequado ou orientação por parte dos pais ou responsáveis em relação ao uso de tecnologias e dispositivos digitais. Isso inclui o acesso indiscriminado à internet, uso excessivo de redes sociais, jogos on-line e outras atividades digitais sem a devida atenção aos potenciais riscos e consequências.
Vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Marcos Ehrhardt Jr. explica que atos ilícitos podem resultar em respostas distintas dentro do sistema jurídico, abrangendo as esferas civil, penal e administrativa.
“No âmbito civil, como regra geral, o responsável legal é quem responde pelos danos causados por pessoas incapazes. No caso dos filhos menores de 18 anos, a responsabilidade recai sobre os pais. Entretanto, o artigo 928 do Código Civil apresenta situações específicas que permitem a responsabilização direta do incapaz, desde que os pais não tenham a obrigação ou condição de fazê-lo, e o pagamento de eventual indenização não prejudique as necessidades básicas do incapaz, como sobrevivência e sustento”, afirma.
Apesar disso, ele destaca que, como regra geral, conforme o artigo 932, inciso I, do Código Civil, “os pais são os responsáveis pelos atos de seus filhos menores de idade que estejam sob sua autoridade e companhia”.
Entretanto, a responsabilização de crianças e adolescentes é algo abordado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990).
“Qualquer ato definido como crime na legislação vigente, quando praticado por indivíduos com menos de dezoito anos, pode ser enquadrado dentro da esfera de incidência do ECA, sendo tratado como ato infracional. Isso resultará em diversas medidas direcionadas à própria criança ou adolescente que cometeu tais circunstâncias”, comenta.
Legislação não acompanhou evolução digital
Marcos Ehrhardt Jr. chama a atenção para o fato de o ECA ser de 1990, enquanto o Código Civil vigente é de 2002. Ou seja, a legislação atualmente em vigor no Brasil foi elaborada antes do desenvolvimento pleno da internet e das redes sociais como conhecemos hoje.
“As consequências disso são notáveis: lidamos com regras analógicas em um mundo cada vez mais digital. Essa defasagem legislativa resulta em desafios, especialmente no que diz respeito às demandas judiciais relacionadas a situações de dano no ambiente digital. Entretanto, é importante salientar que a falta de regras específicas não significa um espaço sem lei ou implica em permissividade total. Pelo contrário, o Direito, como regra geral, é uma adaptação social destinada a resolver conflitos nas relações entre pessoas, independentemente de estas ocorrerem no mundo analógico, físico ou digital”, afirma.
Segundo ele, a aplicação das normas jurídicas é essencial para resolver situações concretas de conflito interpessoal.
“Para isso, os operadores jurídicos precisam interpretar as normas existentes na legislação vigente e traduzi-las para o ambiente digital, adequando-as às particularidades dessa esfera”, explica.
Justiça não tem entendimento consolidado sobre abandono digital
Na Justiça brasileira, não há um entendimento consolidado sobre o abandono digital. Marcos Ehrhardt Jr. afirma que existem decisões isoladas e alguns precedentes, principalmente em casos de tribunais estaduais. “Contudo, no Brasil, ainda não há uma posição clara sobre como os tribunais superiores abordarão essa questão”, diz.
Recentemente, uma mãe foi condenada a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais após emprestar seu computador com acesso à internet ao filho e não monitorar o que ele fazia. O adolescente praticava cyberbullying contra um colega de classe, postando mensagens ofensivas e montagens fotográficas ofensivas.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS manteve a condenação de primeira instância sob o argumento de que “aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados, uma vez ser inerente ao pátrio poder, conforme artigo 932 do Código Civil”.
Outro caso que chama a atenção é o de um adolescente de 16 anos que mentiu a idade para se cadastrar em um site de compras. Ele pôs um computador para vender na plataforma e acabou vítima de fraude. Ao descobrir que havia caído em um golpe, a família entrou com um pedido de indenização por danos morais e materiais contra o site.
A 11ª Câmara Cível de Minas Gerais entendeu que a plataforma não teve culpa e a decisão destacou que “o dever dos pais e responsáveis ganha especial relevância sobre o controle das crianças e dos adolescentes no ambiente virtual, porquanto a internet, de fato, os expõe a situações de risco e vulnerabilidade”. Ao negar recurso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG utilizou o abandono digital como um dos argumentos.
Pais têm o dever de acompanhar os filhos
“Ao analisarmos essas situações, é crucial considerar diversos fatores. Em particular, temos a presença de indivíduos legalmente considerados incapazes, mas que interagem no ambiente digital. Os pais têm a responsabilidade de acompanhar seus filhos, independentemente do ambiente em que estão, seja em casa, na escola, no parque ou nas atividades on-line. Vale ressaltar que essas atividades não se limitam a aplicativos como WhatsApp ou Instagram; incluem também os jogos”, pontua.
“Nesse universo, encontramos salas de bate-papo e interações com outras pessoas. Atualmente, muitos problemas são identificados nesse contexto, especialmente no ambiente on-line, que nem sempre é supervisionado ou fiscalizado pelos pais”, acrescenta.
Para o especialista, a prevenção é o principal remédio contra o abandono digital. “É fundamental dialogar com os filhos, educando-os sobre o mundo digital e alertando-os para os riscos e perigos envolvidos, a fim de tentar evitar problemas. No caso de ocorrência de algum problema, é crucial agir para mitigar os perigos”, afirma.
Ele defende que os pais ou responsáveis busquem a orientação de um profissional especializado e preservem as evidências que podem ser obtidas do ambiente digital, seguindo procedimentos específicos de repercussão criminal, como a realização de um boletim de ocorrência.
“Paralelamente a essas ações de cunho jurídico, muitas vezes é crucial proporcionar um acompanhamento para a pessoa que foi vítima de exposição exagerada nas redes sociais ou de pornografia de vingança. Isso visa garantir seu bem-estar e a preservação da autoestima diante do grave fato ocorrido”, explica.
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