Notícias
Justiça Federal de São Paulo garante fertilização in vitro com material genético de casal homoafetivo
Decisão desafia resolução do Conselho Federal de Medicina e defende o livre planejamento familiar
A 12ª Vara Cível Federal de São Paulo emitiu mandado de segurança, com pedido de liminar, para autorizar a implantação dos embriões de um casal formado por dois homens que pretendiam ampliar a família por meio da fertilização in vitro.
Em agosto de 2021, o casal entrou com o pedido de cedente de útero de substituição, aprovada em outubro do mesmo ano pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP.
A partir daí, os dois deram início aos procedimentos necessários para a formação dos embriões para futura transferência à cedente de útero de substituição. O procedimento estava marcado para ocorrer em fevereiro de 2023.
No mesmo mês, a clínica e o laboratório responsáveis pelo processo negaram a sua realização, alegando que o artigo 11 da Resolução 2.320/2022, do Conselho Federal de Medicina – CFM, publicada em novembro de 2022, veda a transferência de um embrião de cada cônjuge.
Falta embasamento legal
De acordo com a decisão, o juiz responsável pelo caso observou que a norma do CFM é "desprovida de embasamento legal", uma vez que "inexiste lei que regule especificamente a hipótese prevista nesta demanda, ou seja, não há proibição legal para a realização do procedimento pretendido pelos autores".
O magistrado destacou o artigo 226, § 7º, da Constituição Federal, que estabelece que o planejamento familiar pertencerá aos componentes do respectivo núcleo, "não cabendo ao Estado a prerrogativa de formatar, de maneira prévia e abstrata, modelos de composição das famílias, ditando regras de comportamento social".
"Em outras palavras, não pode o Estado determinar, de maneira unilateral e infralegal, sem a ocorrência de um amplo debate público e democrático na arena parlamentar, quantos e quais embriões podem ser futuramente fertilizados, sob pena de esvaziar, por completo, a normatividade do núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, transformando os indivíduos em meros súditos da vontade estatal, o que não pode ocorrer em um Estado de Direito de índole democrática", diz um trecho da decisão.
Avanço para famílias homoafetivas
A advogada Michelly Felix, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, conta que os bebês nasceram saudáveis e estão atualmente com dois meses de vida. O processo, no entanto, aguarda julgamento da apelação, mantido sob segredo de justiça.
“Além de ser um caso inédito no Brasil, a decisão é um avanço para as famílias homoafetivas que buscam ter filhos com o material genético do casal. É uma forma de garantir o livre planejamento familiar, expresso na Constituição Federal, nos Direitos das Famílias, independentemente de sua formação”, avalia.
Ela defende se tratar de uma decisão inovadora na medida em que possibilitou ao casal gerar filhos com material genético distinto, “um feito sem precedentes”.
“A decisão possibilitou o livre planejamento familiar, garantindo dignidade, igualdade e a mínima intervenção estatal na vida conjugal das pessoas”, comenta.
Para a advogada, a decisão é uma “fonte de esperança” para outros casais homoafetivos que desejam formar famílias com base em seus próprios materiais genéticos.
“Trata-se da igualdade de direitos. Os casais héteros têm o direito de planejar as famílias que desejam ter. Os casais homoafetivos precisam ter essa garantia também. Espero que possamos desenvolver políticas públicas que discutam o tema e que os legisladores possam criar leis nos modos legítimos para a reprodução assistida”, afirma.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br