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Caso de bebê britânica que teve aparelhos de suporte à vida desligados levanta debate sobre morte digna
Na Inglaterra, os aparelhos de suporte à vida de uma bebê de oito meses que sofria de uma doença incurável foram desligados após uma disputa legal entre os pais e a Justiça do Reino Unido. O caso levantou o debate em torno do direito à vida, colocando em destaque a balança entre a autonomia dos pais e o melhor interesse da criança.
Indi Gregory nasceu em 24 de fevereiro e foi diagnosticada com a doença mitocondrial, uma condição genética rara e incurável que drena a energia das células do corpo. Além disso, a bebê tinha um buraco no coração que agravava sua condição. Logo após seu nascimento, ela precisou passar por cirurgias no intestino e no crânio para drenar líquido.
Com pouco mais de seis meses, o hospital solicitou a suspensão de alguns tratamentos médicos de Indi, como assistência respiratória, terapia de oxigênio, tubos e ressuscitação cardiopulmonar, se sua condição piorasse. Os médicos decidiram que, devido à gravidade do caso, não seria viável prosseguir com um tratamento tão invasivo. A família da bebê não concordou com os médicos, levando o hospital a solicitar uma decisão da Alta Corte.
Os médicos alteraram o pedido para, em vez disso, terem autorização para remover apenas os cuidados críticos. Os especialistas também acreditavam que ela não sobreviveria por muito mais tempo, e que não tinha chance de se recuperar.
Tratamento invasivo
O hospital pediu à Alta Corte para remover o tubo respiratório de Indi, e especialistas disseram que a bebê ainda estava “gravemente doente”. O juiz adiou o caso, atrasando a decisão sobre a vida dela. No mesmo mês, ela foi batizada em sua cama de hospital.
Os pais de Indi ainda queriam que o tratamento continuasse, pois acreditavam que ela respondia a eles e que havia piorado por causa de uma infecção. Eles pediram que mais especialistas fossem ouvidos nas audiências.
Depois disso, o juiz do caso decidiu que os médicos poderiam retirar legalmente o “tratamento invasivo”, dizendo: “Com o coração pesado, cheguei à conclusão de que os fardos do tratamento superam os benefícios”.
Na semana passada, o governo da Itália aprovou a concessão de cidadania para a menina, com o objetivo de transferi-la para o Hospital Bambino Gesú, centro pediátrico gerido pela Igreja Católica em Roma.
No entanto, a Justiça do Reino Unido negou os recursos da família para impedir o desligamento dos aparelhos de Indi.
Autonomia dos pais
Segundo a advogada Luciana Dadalto, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, especialista em Direito Médico e da Saúde, a decisão sobre o que pode ser feito com uma criança que tem uma doença incurável não deve caber somente aos pais.
“Há uma presunção de que essa decisão é dos pais, todavia, trata-se de uma presunção relativa, pois, diante de indícios de que a vontade dos pais viola o melhor interesse da criança, ela pode ser suplantada pelo Estado”, afirma.
Ela explica que foi isso o que aconteceu no caso de Indi Gregory. “Diante do agravamento do quadro da criança, os médicos entenderam que o suporte vital havia parado de desempenhar sua função – ajudar no tratamento – e estava causando sofrimento à paciente e, portanto, era contrário ao melhor interesse de Indi.”
Como os pais não concordaram com a suspensão de suporte artificial proposta pelos médicos, os profissionais levaram o caso ao Judiciário.
“É importante frisar que Justiça não determinou que Indi fosse morta e nem deu autorização para ninguém matá-la. Indi morreu em decorrência do agravamento de sua condição clínica, que estava acontecendo mesmo com o uso do suporte artificial. A retirada do suporte interrompeu o prolongamento do processo de ‘morrer’ e permitiu que ela tivesse uma morte com menos sofrimento”, pontua.
Repercussão no Brasil
A repercussão do caso no Brasil foi marcada por interpretações negativas, carregadas de moralismo, o que, segundo a especialista, dificultou reflexões técnicas e propositivas sobre morte digna para crianças e adolescentes.
“Quatro fatores contribuiram para essa repercussão desfavorável: o uso inadequado de termos como ‘eutanásia’ e ‘homicídio’; a falsa compreensão de que juízes autorizaram médicos a matarem uma criança saudável; a errônea ideia de que apenas os pais devem decidir o que é melhor para as crianças; e a influência da religiosidade, que alimentava a esperança de um milagre”, lista.
Segundo a especialista, a população brasileira não é educada para a morte, o que impede a discussão de temas relacionados à finitude humana.
“Neste contexto, discussões que envolvam dignidade no morrer sempre parecerão absurdas, porque elas partem do pressuposto de que a obstinação terapêutica (distanásia) é danosa à pessoa humana. Em contrapartida, a lógica que rege uma sociedade que não foi educada para a morte é de obstinação terapêutica, de que é preciso fazer tudo para evitar a morte daqueles que estão morrendo. Em suma, a conta não fecha”, afirma.
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