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IBDFAM participa de audiência na Câmara sobre registro de união poliafetiva
A convite do deputado Fernando Rodolfo Tenorio de Vasconcelos (PL-PE), o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM participou nessa quarta-feira (8) de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o registro de união poliafetiva. O debate, promovido pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, girou em torno do Projeto de Lei 4.302/2016, que pretende proibir o registro de união poliafetiva.
O IBDFAM foi representado pelos advogados Marcos Alves da Silva, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Família do IBDFAM, de forma virtual, e Renata Nepomuceno e Cysne, diretora nacional do IBDFAM, que esteve presencialmente na sessão.
A proposta aguarda votação no colegiado, onde recebeu parecer favorável do relator, deputado Filipe Martins (PL-TO). A audiência pública foi proposta pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE). Assista a íntegra do debate.
Também participaram da audiência o juiz Pablo Stolze, membro do IBDFAM e integrante da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela reforma do Código Civil, e o pastor Silas Lima Malafaia.
Marcos Alves entende que o PL 4.302/2016 representa um equívoco. “Revela uma concepção absolutamente canhestra da natureza jurídica da própria união estável, fere o direito da liberdade de expressão, fere o direito de acesso ao serviço público notarial, desrespeita o princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares”, afirma.
Para o especialista, o texto “desconsidera o princípio constitucional do Estado Democrático de Direito com suas reverberações no âmbito das situações subjetivas de natureza existencial e coexistencial, faz letra morta a norma constitucional expressa no princípio da laicidade do Estado e fere o princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana”.
Em sua fala na audiência pública, o advogado sublinhou cinco pontos: “O Projeto de Lei está ancorado em um equívoco elementar em relação à natureza jurídica da união estável, que se desdobra em pelo menos mais dois outros, negação ao direito de liberdade de expressão e de acesso ao serviço público notarial; desconsidera o princípio do Estado Democrático de Direito em suas reverberações nas situações jurídicas subjetivas existenciais e coexistenciais, para assegurar uma sociedade onde caibam todos; ofende o princípio da laicidade do Estado, com grande perigo de aproximação a estados totalitários e teocráticos; desatende o princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares e o mandamento endereçado ao Estado de conferir especial proteção às famílias; afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, e tende à marginalização de famílias e à invisibilização jurídica de pessoas em suas relações existenciais fundantes”.
Marcos Alves também defendeu em seu argumento o direito às diferenças. Ressaltou a importância de respeitar a individualidade de cada um e citou o trecho: “Narciso acha feio tudo aquilo que não é espelho”, em referência ao personagem da mitologia grega.
Proteção
Renata Cysne lembrou que a Constituição Federal engloba todas as formas de famílias. “São famílias que se constituem pela boa-fé, e dessas relações decorrem direitos, deveres e responsabilidades.” Negar isso, afirmou a especialista, é marginalizar e negar a existência de diversas famílias.
Renata pontuou que a audiência não foi sobre regularizar a família poliafetiva, mas sobre negar direitos. “Poderíamos estar debatendo os desdobramentos disso, como os impactos sucessórios e previdenciários, mas estamos debatendo a negação dessas famílias.”
A fala da advogada também abordou a vulnerabilidade das mulheres, das crianças e dos adolescentes que compõem famílias poliafetivas, bem como a necessidade de um olhar para o “cuidado, atenção e reconhecimento de direitos”.
O projeto de lei, segundo ela, é um retrocesso de algo que ainda sequer foi visto pelos tribunais. “Embora a monogamia seja predominante na nossa sociedade, isso não quer dizer que não possam haver outras formas”, afirmou.
Registro
O juiz Pablo Stolze disse que nem sempre a resposta reducionista é a mais adequada. Abordou a reforma do Código Civil e disse que a atualização não é feita para a elite acadêmica, mas sim para a sociedade em geral.
Stolze destacou que a proposta não discute o reconhecimento da poliafetividade como entidade familiar, ou seja, não inclui essa previsão no Código Civil, mas, sim, proíbe o registro da união estável poliafetiva.
“A jurisprudência dos tribunais superiores reconhece a monogamia como um dos esteios das relações familiares. Não vejo nesse momento uma discussão que coloque a monogamia na berlinda. A grande preocupação é que o projeto, ao pretender proibir esse registro, está, em verdade, pretendendo consagrar uma proibição completamente inócua e que não tem referência no Direito de Família brasileiro”, afirmou.
O especialista ressaltou que a união estável é um fato da vida, sem roupagem formal. “Querendo ou não, a união estável existirá”, disse.
A consequência de uma norma proibitiva e inócua, segundo Stolze, são problemas de ordem prática. Com a válvula proibitiva, o juiz também ponderou que os magistrados podem ter dificuldade para julgar casos excepcionais.
Ordem jurídica
Silas Malafaia, por sua vez, apontou conceitos de cristinianismo e contestou falas dos participantes anteriores. Disse, por exemplo, que a Constituição Federal não se refere a todas as formas de família – para isso, citou trechos em que o termo "casal" consta no documento.
Argumentou que não há previsão legal na questão previdenciária ou sucessória. "Há uma insegurança jurídica se isso for permitido. Quer mudar a Constituição? No Estado Democrático de Direito, é no voto do Parlamento que representa o povo.”
Multiplicidade
Em entrevista ao IBDFAM, o professor Marcos Alves explica que o Instituto considera as múltiplas formas e composições familiares. “Não faz juízo de valor e de desvalor em relação a esta ou aquela família, pois entende que o caput do artigo 126 da Constituição da República constitui cláusula de inclusão.”
“A família é merecedora de especial proteção do Estado. Negar existência jurídica a qualquer família que efetivamente existe implica colocar famílias fora da tutela jurisdicional do Estado, significa invisibilizar pessoas em suas relações humanas fundantes e elementares. Trata-se de ofender gravemente a dignidade humana”, afirma o advogado.
O especialista afirma que o IBDFAM é o maior protagonista do Direito das Famílias no Brasil, atualmente. “Esse reconhecimento não é apenas interna corporis. A comunidade jurídica como um todo reconhece o trabalho do IBDFAM, tanto por sua extensão quanto por sua qualidade.”
“A presença do IBDFAM se faz sentir nos mais longínquos rincões do País, constituindo uma força catalisadora de profissionais que atuam na área. O IBDFAM, ao longo dos seus 26 anos de existência, como instituição que reúne juristas, advogados, juízes, promotores de justiça, defensores públicos e diversos profissionais que atuam na área do Direito das Famílias, tem fomentado a pesquisa e estudos aprofundados que qualificam não somente o debate nacional como também a prática jurídica com respaldo nos fundamentos constitucionais que redesenharam a percepção jurídica da família contemporânea”, pondera.
De acordo com o advogado, ao desempenhar sua vocação, a posição da Instituição é a da defesa dos princípios constitucionais da pluralidade das entidades familiares, da maximização da liberdade existencial e coexistencial, “isto é, o direito das pessoas se autodeterminarem em relação à forma de constituírem família”.
“Neste campo, deve prevalecer o princípio da reserva da intimidade. O Estado não pode avocar como sendo sua uma determinada concepção de família. Somente estados teocráticos é que fazem de uma norma religiosa lei civil, que é imposta a todos de forma cogente”, avalia.
O IBDFAM, acrescenta o especialista, como defensor dos princípios constitucionais, entende que a laicidade do Estado é conditio sine qua non para a existência de verdadeiro Estado Democrático de Direito. “A democracia não ganha expressão apenas na praça, a democracia verdadeira ultrapassa a linha das portas das casas para assegurar a todos e a cada um a liberdade de ser e de se fazer família”, conclui.
Por Débora Anunciação
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