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Sancionada lei que impede guarda compartilhada em caso de violência doméstica
Entrou em vigor nesta terça-feira (31) a Lei 14.713/2023, que impede a concessão de guarda compartilhada de crianças e adolescentes quando há risco de violência doméstica. A norma modifica o Código Civil e o Código de Processo Civil – CPC para impedir que o genitor agressor tenha direito à guarda compartilhada.
Conforme o texto, o juiz deve questionar o Ministério Público e as partes sobre eventuais situações de violência que envolvam o casal ou os filhos. Em caso de risco de violência, será concedida a guarda unilateral ao genitor que não é responsável pela violência ou pela situação de risco.
A norma é oriunda do Projeto de Lei do Senado 2491/2019, aprovado pela Câmara em agosto, sob relatoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).
“As alterações legislativas efetivadas pela Lei 14.713/2023, por serem ainda muito recentes, ainda estão sendo digeridas pela comunidade jurídica”, avalia o advogado Fernando Salzer e Silva, membro da Comissão da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
A primeira impressão do especialista, porém, é positiva. Segundo ele, “as alterações reforçam que o instituto da guarda não representa a outorga de um título de propriedade, de um prêmio concedido egoisticamente a pais e/ou mães, mas, sim, uma medida protetiva, destinada a assegurar, prioritariamente, da forma mais integral possível, os melhores e superiores interesses dos filhos crianças e adolescentes”.
“Ao criar mais uma causa impeditiva ao exercício da regra legal vigente, o legislador reafirma que a figura parental ausente de capacidade protetiva e com despreparo para o exercício da parentalidade, maternidade ou paternidade responsável, não se mostra legitimada para o exercício da guarda (proteção e cuidado) dos filhos crianças e adolescentes”, destaca.
Capacidade protetiva
Fernando Salzer ressalta que o risco de violência doméstica ou familiar, citado na nova redação do §2º, do artigo 1.584 do Código Civil, diz respeito a qualquer uma das pessoas envolvidas na questão familiar discutida em juízo. “Primordialmente às crianças e adolescentes (Leis 12.318/2010, 13.431/2017 e 14.344/2022), mas também às mulheres (Lei 11.340/2006) e/ou aos homens adultos (art. 129, §9º, art. 147-A, Código Penal).”
“Como reza a regra de hermenêutica, não pode o intérprete restringir onde a lei não restringe ou excepcionar quando a lei não excepciona. Cabe consignar que a violência doméstica ou familiar impeditiva do compartilhamento da guarda tem que se mostrar atual, assim como não ser passível de neutralização por medidas protetivas pedagógicas, que permitam a manutenção, ainda que supervisionada, da convivência familiar, visando a reconstrução ou criação de vínculos familiares saudáveis”, explica.
De acordo com o advogado, para manter a coerência do microssistema legal voltado para a proteção integral das crianças, adolescentes e das famílias, os novos dispositivos trazidos pela Lei 14.713/2023 não podem ser compreendidos ou aplicados de forma literal e isolada. A interpretação de tais regras, segundo ele, deve ser efetuada “de forma sistemática, notadamente, com a utilização do método da teoria do diálogo das fontes”.
Prevenção
Salzer afirma que o artigo 699-A, introduzido no Código de Processo Civil, que complementa a previsão antes já contida no §1º, do artigo 1.584 do Código Civil, “não deixa dúvidas de que, nas ações de família, as audiências de mediação (art. 694) são verdadeiros mecanismos estatais para prevenir e coibir a violência intrafamiliar (art. 226, §8º, constituição Federal).
“Tal importante ato processual, deve sempre ser presidido e conduzido, presencialmente, por magistrado togado, tal qual acompanhado, in loco, pelo representante do Ministério Público”, aponta o especialista.
A partir de agora, acrescenta o advogado, os magistrados que delegarem a realização de tais audiências a mediadores ou aos CEJUSC’s, em tese, estarão cometendo um ato de violência institucional (art. 4º, IV, Lei 13.431/2017; art. 5º, inciso I, Decreto Federal 9.603/2018) contra pessoas crianças e adolescentes.
“A realização das audiências de mediação, logo no início da marcha processual, com participação dos magistrados e dos representantes do Ministério Público, também dará efetividade aos princípios processuais da intervenção precoce, mínima e urgente (art. 100, parágrafo único, incisos V e VI, ECA; art. 2º, inciso V, Decreto Federal nº 9.603/2018), possibilitando a concretização do direito constitucional fundamental que prevê que a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII, Constituição Federal)”, comenta.
Segundo Fernando Salzer, para evitar a consumação de violência institucional contra crianças e adolescentes, é previsto que as audiências de mediação nas ações de família devem ser presididas e conduzidas por magistrado togado, assim como acompanhadas pelo representante do Ministério Público. Deste modo, ele antecipa a necessidade, por parte das Corregedorias dos Tribunais, dos Ministérios Públicos, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, de fiscalizar o cumprimento das normas legais.
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