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Desafios e possibilidades da adoção internacional em Angola
O interesse de uma influencer em adotar uma criança angolana levantou polêmica nas redes sociais recentemente e fomentou o debate sobre a adoção internacional em países do continente africano. Grandes personalidades da mídia constituíram família dessa forma, entre eles, Angelina Jolie e Brad Pitt e Madonna, entre outros.
Vice-presidente do Núcleo do IBDFAM em Angola, a advogada Iracelma Medeiros-Filipe afirma que Angola ratificou a Convenção da Haia de 29 de maio de 1993, documento relativo à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, por meio da Resolução 54/2012 da Assembleia Nacional.
Iracelma explica, porém, que um requisito fundamental não foi observado: a criação de um órgão central que passaria a instruir os processos dos requerentes residentes no exterior do país. “Infelizmente, este fato ainda impossibilita que processos de adoção internacional sejam tratados como tal.”
A Convenção da Haia define a adoção internacional como aquela realizada por um candidato residente em um país diferente daquele da criança a ser adotada. A adoção ocorre com a transferência de uma criança do seu país de residência habitual ou de origem para o país da residência habitual dos adotantes ou de destino.
Neste sentido, e por não haver uma autoridade central para a adoção internacional encarregada de instruir processos, a advogada entende que não se pode falar de adoções internacionais em Angola.
“A única possibilidade que um não residente tem para adotar em Angola é por via de um processo de adoção interna de estrangeiro, prevista nos termos do artigo 204 do Código da Família angolano”, explica Iracelma.
Regulamentação
A advogada pondera que não há uma lei específica sobre a adoção em Angola. “O Código da Família prevê apenas, no título VI - Da Adopção, o regime aplicável a todas as situações e está composto por apenas 23 artigos, não sendo o suficiente para regular questões tão complexas.”
“O ordenamento jurídico angolano, por ora, não lida com adoções internacionais por não haver ainda o procedimento específico, não obstante ter ratificado a Convenção, como já referido”, pontua.
Iracelma ressalta, no entanto, que há medidas de proteção social para os casos de adoções internas. “Outrossim, o estrangeiro não residente, por exemplo, tem de aguardar a decisão judicial e a aprovação da Assembleia Nacional para poder viver com a criança.”
O principal entrave, segundo a especialista, é quando o estrangeiro não reside em Angola. “O processo de adoção começa no país de origem ou de residência do requerente, ao que se segue a remessa do processo para o país de residência da criança. Não havendo uma entidade encarregada de cooperar com o país para instruir o processo, este ‘morre’ aí”.
Segundo Iracelma, o problema pode ser superado por meio do processo de adoção interna de estrangeiro. Nele, são observados os mesmos requisitos da adoção interna, mas com a obrigatoriedade da autorização pela Assembleia Nacional, para a validação da decisão judicial, imposta pela Lei 1/88, de 20 de fevereiro, do Código da Família angolano.
O requisito, complementa a advogada, é exigido como forma de proteger o menor que pode vir a perder a nacionalidade de origem, “uma medida que constituiria um impedimento ao tráfico internacional de crianças dos países menos desenvolvidos para os mais ricos”, afirma.
A especialista entende que a morosidade é um grande desafio neste cenário – em alguns casos, o processo chega a demorar quatro anos ou mais. Outro desafio citado por ela é a impossibilidade de convivência: “Infelizmente, ao requerente estrangeiro que não reside em Angola não é dado o direito de conviver com o adotando em situação de família substituta”.
Questões urgentes
Iracelma Medeiros-Filipe acredita que as questões mais urgentes para o processo de adoção internacional são a criação de um órgão central (entidade central), para receber e instruir os pedidos de adoção, bem como de uma lei interna exclusiva para o tema.
Para a advogada, as principais razões que levam as pessoas a adotar crianças no continente africano são as condições sociais e econômicas, o crescimento demográfico do continente e a conjuntura política, caracterizada por sucessivos problemas de segurança territorial.
“A África é um dos continentes mais ricos do mundo, mas, infelizmente, ainda enfrenta grandes problemas sociais. Está muito atrás das nações mais desenvolvidas do globo por conta de um passado não muito distante, embora haja um número reduzido de países que dão mostras de caminhar a passos largos para o progresso”, observa.
Iracelma percebe um senso de urgência para o estabelecimento de um procedimento interno de adoção internacional, “de modo a evitar, por um lado, que crianças possam sair do país sem a observância dos requisitos legais e, por outro, dar a oportunidade a outras tantas crianças de terem uma família”.
I Congresso Internacional de Direito da Família Angolano
Em novembro, a capital de Angola, Luanda, irá sediar o primeiro Congresso Internacional de Direito da Família Angolano, promovido pelo núcleo do IBDFAM no país. A programação terá como enfoque “Os 35 anos do Código da Família Angolano”.
A adoção internacional é destaque entre os painéis. Segundo a vice-presidente do núcleo,
um dos grandes objetivos da abordagem é promover “a consciencialização dos órgãos competentes para a criação da autoridade com vista ao cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Angola, no contexto da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia a 29 de maio de 1993, e a sua regulamentação”.
O congresso será realizado entre os dias 16 e 17 de novembro, em Luanda, na Escola Nacional de Administração e Políticas Públicas – ENAPP. A programação reúne 18 palestrantes e 8 moderadores, de Angola e do Brasil.
Por Débora Anunciação
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