Notícias
Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência: decisão do STF mostra que leis garantem direitos conquistados
.jpg)
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF invalidou dispositivos de uma lei estadual do Amapá que, na busca por dar prioridade a pessoas com deficiência em escola pública próxima à residência, criou conceitos e condições que afrontam a Constituição e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). A Corte entendeu que, existindo uma conceituação constitucional, não cabe às leis estaduais restringi-las, reduzindo grupos destinatários de proteção.
Sob a luz do Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, celebrado nesta quinta-feira, 21 de setembro, a decisão do STF mostra que normas como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU em 2006 e ratificada com status constitucional no Brasil, são dispositivos importantes para concretizar direitos conquistados por essa população.
“Essa manifestação do STF declarou inconstitucional qualquer definição de deficiência que seja dissociada do modelo biopsicossocial trazido pela CDPD, além de desconsiderar, para a aferição de deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe interdisciplinar e excluir o dever de adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo”, comenta o professor e promotor de Justiça Fernando Gaburri, membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7.028, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que a convenção define pessoas com deficiência como as que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Havendo uma conceituação constitucional, não cabe à lei estadual restringi-la, reduzindo o grupo de destinatários da proteção determinada pela Lei estadual 2.151/2017.
“No estágio atual, os esforços devem concentrar-se muito mais na concretização dos direitos já conquistados e na luta contra o retrocesso. Assim é que se pode dizer que recentemente foram prolatadas algumas importantes decisões judiciais interpretando e aplicando a legislação vigente de maneira condizente com o seu propósito”, avalia Gaburri.
Reconhecer a existência
O promotor de Justiça comenta que avanços legislativos são importantes não só por garantir direitos, mas também por reconhecer a existência de pessoas com deficiência da maneira como elas são.
“O reconhecimento formal de direitos em documentos jurídicos coloca a pessoa com deficiência, pelo menos teoricamente, em um patamar de respeitabilidade moral equivalente ao das demais pessoas, proporcionando uma espécie de emancipação social e jurídica. Essas normas muitas vezes reconhecem a existência de barreiras de diversas ordens e implementam tratamentos diferenciados para alcançar uma igualdade antes rompida ou ainda não atingida. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, ‘temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza’”, afirma.
Em face dos avanços, o especialista destaca que ainda há desafios que se impõem. Os principais, segundo ele, seguem sendo a inclusão e a acessibilidade.
“De acordo com o modelo biopsicossocial, a pessoa com deficiência é influenciada por impedimentos corporais que, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade com as demais. Essas barreiras podem ser urbanísticas, arquitetônicas, de transporte, comunicação, atitudinais e tecnológicas, limitando ou impedindo a participação social das pessoas com deficiência e o exercício de seus direitos. Embora a inclusão seja um tema relevante no cenário acadêmico, é crucial que ela se traduza em prática efetiva”, avalia.
Além disso, a CDPD destaca a importância de uma abordagem participativa, indicando que é fundamental a inclusão da pessoa com deficiência em todas as discussões que a afetem.
“Essa participação ativa ainda não é uma realidade. Embora haja um avanço, com pessoas com deficiência ocupando funções relevantes na sociedade, ainda é necessário ampliar essa representatividade”, pontua.
Um caminho possível
A presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do IBDFAM, Claudia Grabois Dischon, acrescenta que a luta por inclusão e igualdade é um caminho desafiador, mas possível.
“A conscientização, a mobilização e a busca incessante pelos direitos são o motor desse movimento. A sociedade precisa compreender que a inclusão não é um favor concedido, mas um direito a ser conquistado e mantido”, afirma.
Para ela, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência deve ser usado de inspiração para uma sociedade “mais inclusiva, justa e empática, na qual todos possam viver e usufruir da vida em sua plenitude”.
“Por um lado, é possível identificar lacunas nos acessos à educação, saúde, assistência e outras áreas correlatas, evidenciando a falta de acessibilidade para o pleno exercício da cidadania. Por outro lado, a cada ano, o mundo se abre para novas tecnologias, embora nem todos tenham acesso a elas. No entanto, essas inovações podem ser reivindicadas pelos protagonistas desse movimento como algo a ser perseguido”, afirma.
Para a especialista, as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência vão além das físicas e arquitetônicas. Está, por exemplo, no capacitismo, que ainda predomina.
“O preconceito, a falta de acessibilidade, a escassez de informações e a ausência de empatia ainda permeiam a sociedade, muitas vezes de forma sutil e enraizada na cultura. Tal mentalidade resulta na deslegitimação da vontade das pessoas com deficiência”, avalia.
Segundo ela, o combate ao preconceito e ao capacitismo se dá por meio da educação e da efetivação de leis para impulsionar boas práticas.
“Encontros, debates e trabalhos nas escolas, centros regionais de assistência social e diversos espaços são essenciais para sensibilizar gestores, famílias e a sociedade em geral. Isso não exime a importância de leis sólidas que são fundamentais para possibilitar acessibilidade em locais que antes não eram frequentados por pessoas com deficiência. É vital tirar ideias como essas do papel e garantir sua aplicação efetiva”, pontua.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br