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Justiça do Rio Grande do Sul reconhece união poliafetiva de trisal que espera primeiro filho
A Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, reconheceu a união estável poliafetiva de um trisal que mantém relação há 10 anos. A decisão foi proferida em 28 de agosto.
No caso em questão, o trisal é formado por um homem de 45 anos e duas mulheres, uma de 51 e outra de 32. O homem e a mulher de 51 firmaram casamento em 2006 e iniciaram o relacionamento com a de 32 em 2013.
A busca pela oficialização foi motivada pela espera do primeiro filho do trisal, cujo nascimento está previsto para outubro.
Em um primeiro momento, os três tentaram oficializar a união no cartório, sem a judicialização, mas o pedido foi recusado pelo tabelionato. O homem e a mulher que já estavam casados precisaram se divorciar para fazer o pedido. Agora, com a decisão judicial, o cartório terá que aceitar o registro.
Além disso, o bebê que uma das mulheres está gestando terá direito ao registro multiparental, ou seja, vai poder ter os nomes das duas mães e do pai no registro civil.
As mães e o pai, por sua vez, terão direito à licença-maternidade e paternidade.
A decisão da Comarca de Novo Hamburgo é de 1º grau e cabe recurso por parte do Ministério Público – MP. O prazo para o órgão se manifestar é de 30 dias.
“Verdadeiro negacionismo jurídico”, reflete especialista
Para Marcos Alves da Silva, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a sentença que reconheceu a união estável do trisal mostra que “as famílias brasileiras, em suas múltiplas configurações concretas, não podem ser invisibilizadas pelo Direito”, ainda que a orientação atual do Conselho Nacional de Justiça – CNJ seja no sentido de não oficializar uniões poliafetivas.
“Para alcançar o reconhecimento da união estável poliafetiva, foi necessário o divórcio. A contradição é que o divórcio pôs fim a um casamento que não passava por qualquer problema, mas o seu fim era condição para a constituição da união estável a três”, analisa.
Segundo Marcos Alves, “há uma lógica perversa na aplicação do Direito quando se fecha os olhos para a vida em sua concretude e se toma o modelo legal como critério de exclusão”. “A família atípica, isto é, aquela que não se subsume ao modelo pré-formatado pela lei, não é reconhecida como família. Verdadeiro negacionismo jurídico”, reflete.
Marcos Alves da Silva destaca que a família formada pelo trisal existe na perspectiva sociológica, na medida em que é reconhecida por seu entorno. Por que, então, ela não existe juridicamente?
“Que razão de ordem constitucional justificaria o não reconhecimento jurídico de uma família apenas porque a conformação da conjugalidade não se ajusta ao critério da monogamia? Entendo que os princípios constitucionais da pluralidade das entidades familiares e da laicidade do Estado impõem uma revisão do entendimento tacanho e reducionista da família àquela exclusivamente matrimonializada”, afirma.
Afirmação social e jurídica
Para o advogado, a noção jurídica de família e conjugalidade tem limites. Diante disso, aquelas que são consideradas “diferentes” estão sempre em luta por sua “afirmação social e, consequentemente, jurídica”.
“Não tenho dúvida de que ainda estamos por ‘descobrir’ o sentido mais profundo e o alcance mais amplo do princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares. Tudo vai depender, porém, da densidade democrática das futuras decisões judiciais. Tenderão a assegurar efetiva liberdade às situações subjetivas coexistentes ou espelharão uma determinada moral, supostamente hegemônica, lançando à completa invisibilidade jurídica quem não se enquadra nos modelos previamente admitidos?”, questiona.
O especialista destaca que o principal desafio para as famílias que fogem à “família standard” são “preconceitos sociais travestidos, na linguagem jurídica, em termos de vedações absolutamente inconstitucionais, pois ofensivas ao princípio da pluralidade das entidades familiares consagrados no artigo 226 da Constituição da República”.
“Famílias que não se estabelecem pelo formato tradicional já sofrem discriminação social e têm que enfrentar luta identitária para sua autoafirmação no meio em que se inserem. O reconhecimento jurídico é fundamental, pois, conjugados com outros fatores, ajudam essas famílias a vencerem o preconceito e a discriminação. Há, portanto, decisões judiciais que impulsionam o processo civilizatório, favorecendo a construção de uma sociedade mais tolerante e inclusiva”, afirma.
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