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Caso Larissa Manoela: especialista explica o que caracteriza a violência patrimonial

A história do rompimento de Larissa Manoela com os pais, após a atriz de 22 anos descobrir que ambos detêm a maior parte do patrimônio construído desde que ela tinha quatro anos de idade, colocou em debate as múltiplas violências que podem ocorrer dentro das famílias. Uma delas é a violência patrimonial, que gera prejuízo financeiro ou a perda de bens que têm valor sentimental para a vítima.
De acordo com a Lei Maria da Penha (11.340/2006), a violência patrimonial é "entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazerem suas necessidades".
Segundo o advogado Mário Delgado, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, identificar indicadores de que a mulher está sofrendo esse tipo de violência não é simples, uma vez que eles não são evidentes e ocorrem de maneira sutil e gradual.
“Um dos principais sintomas é justamente o receio de a vítima denunciar o abuso econômico, com medo de sofrer represálias financeiras. Alguns sinais de alerta podem sugerir que uma pessoa está enfrentando esse tipo de violência como, por exemplo, se a mulher não tem controle sobre suas próprias finanças e precisa pedir permissão ao cônjuge ou companheiro para fazer qualquer despesa”, explica.
“Se a mulher não está trabalhando, nem estudando ou procurando oportunidades, sem justificativa plausível; se a pessoa não possui uma conta corrente individual, mas apenas a conta conjunta com o marido; se a pessoa costumava ser independente financeiramente antes do relacionamento, mas agora é dependente da outra parte para tudo”, afirma.
Proteção
O advogado avalia que a legislação aborda o tema de forma adequada e fornece diversas medidas de proteção contra o abuso econômico, tais como a “restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida”; a “proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum”; e a “suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor”.
“Também é possível falar na possibilidade de fixação de indenização e alimentos. Entretanto, em termos de políticas públicas, a violência patrimonial permanece uma ilustre desconhecida, constituindo a face oculta ou invisível da violência doméstica. A maioria das vítimas sequer tem a noção de que está sofrendo um abuso, uma violência doméstica prevista na Lei”, analisa.
O especialista destaca que recentemente foi editada a Recomendação nº 128 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que tem o objetivo de aumentar a proteção de bens conquistados por menores de idade, alterando o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990).
Processo criminal
Mário Delgado explica que, do ponto de vista legal, a principal dificuldade para a instauração de processos criminais visando a proteção patrimonial da mulher decorre das imunidades localizadas nos artigos 181 e 182 do Código Penal, que tratam de crimes contra o patrimônio.
“De acordo com a norma, é isento de pena quem comete qualquer crime patrimonial em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal. Estes dispositivos constituem aquilo que o Protocolo de Gênero alude como ‘normas indiretamente discriminatórias’, em que a desigualdade não é facilmente percebida, já que a lei não discrimina expressamente as mulheres”, afirma.
“Não obstante a racionalidade utilizada aparente neutra em relação ao gênero, já que o legislador se refere indistintamente a ambos os cônjuges, na verdade, são regras que refletem a mais gritante das desigualdades, impactando negativamente as mulheres de maneira desproporcional, já que a esmagadora maioria dos casos de violência doméstica tem como agente agressor o homem, especialmente tratando-se de violência patrimonial, estimulada e incentivada pelo estigma social do homem provedor e da rainha do lar economicamente dependente.
Dessa forma, ele defende a revogação dos artigos, o que já está presente em Projetos de Lei apresentados.
“Além das imunidades penais, existem outras dificuldades que transcendem a legalidade, como é o caso do silêncio, da omissão e da inatividade da vítima, fatores que só impulsionam o ciclo da violência”, avalia.
Propostas legislativas
Desde que ganhou visibilidade, o caso de Larissa Manoela inspirou projetos de lei protocolados na última terça-feira (15) que têm a intenção de aumentar a proteção de bens conquistados por menores de idade, alterando o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Um deles é o PL 3.917/2023, que estabelece medidas que "fortaleçam a salvaguarda dos direitos e interesses dos menores de idade" em relação à administração de bens. Apelidada de Lei Larissa Manoela, de autoria dos deputados Pedro Campos (PSB-PE) e Duarte Júnior (PSB-MA), a proposta visa obrigar o Ministério Público a analisar a participação de menores de idade em sociedades empresariais.
Já o Projeto de Lei 3.914/2023, de Silvye Alves, propõe alterar o ECA para instituir o crime de violência patrimonial contra a criança e o adolescente.
O PL 3.919/2023, de Marcelo Queiroz (PP-RJ), propõe a criação de um gestor patrimonial para administração de bens de menores de idade; já o PL 3.916/2023, de Ricardo Ayres (Republicanos-TO) sugere que 70% do que menores de idade ganharem nas atividades artísticas não poderão ser movimentados pelos pais ou responsáveis.
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