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Stalking: homem é condenado por perseguição após fim de relacionamento
Em decisão unânime, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a condenação de um homem que perseguiu a ex-namorada por não aceitar o término do relacionamento. Para o relator do recurso, ficou evidenciada a reiteração do crime de perseguição, o chamado stalking.
Conforme consta nos autos, após a separação o réu passou a enviar ameaças à vítima por mensagens de áudio no celular. O homem também foi ao local de trabalho da vítima e ameaçou divulgar fotografias íntimas dela na internet.
O relator do recurso considerou que a vítima precisou bloquear o acusado em todos os meios de comunicação para cessar o contato. Mencionou ainda a dificuldade da vítima em sair de casa e ir ao trabalho, por medo das perseguições.
“Analisado o conjunto probatório, torna-se manifesta a responsabilidade criminal do apelante, porquanto devidamente comprovado que sua conduta se subsome aos elementos dos tipos previstos nos artigos 147-A, § 1º, inciso II do Código Penal, não se podendo cogitar de decreto absolutório”, concluiu o magistrado ao fixar a pena de nove meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 15 dias-multa.
Stalking
A Lei 14.132/2021 criminaliza a perseguição e a define como a perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameace a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima.
A norma prevê seis meses a dois anos de reclusão (prisão que pode ser cumprida em regime fechado) e multa. A pena será aumentada em 50% se o crime for cometido contra mulheres por razões da condição do sexo feminino; contra crianças, adolescentes ou idosos; se os criminosos agirem em grupo ou se houver uso de arma.
Antes de ser aprovado como crime, o stalking era tratado como perturbação da tranquilidade alheia, previsto na Lei das Contravenções Penais – LCP, com pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. A Lei 14.132/2021 revogou essa parte da LCP.
Integridade física e psicológica
A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a mulher manteve um relacionamento amoroso efêmero com o acusado, na época em que estava separada do marido. Ao comunicar a retomada do convívio com o cônjuge, passou a enfrentar perseguição reiterada.
Em mensagens de áudio, o homem demonstrava interesse em reatar o relacionamento e ameaçava a vítima. Dizia, por exemplo, que : ‘não tinha medo de morrer’; ‘não tinha nada a perder’; “iria para a guerra com ela’; e que ‘veriam quem iria chorar’.
Adélia entende que o comportamento ameaçou a integridade psicológica da vítima e atingiu sua esfera de liberdade e privacidade. “As declarações da vítima, nas duas fases da persecução criminal, foram firmes e coerentes no sentido de que o acusado a perseguiu, a ameaçou e violou sua integridade psíquica, intimidando-a, estando suas declarações em consonância com os demais elementos probatórios coligidos.”
Ela cita entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ sobre o valor probatório da palavra da vítima em crimes dessa natureza: "a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher" (HC 461.478/PE).
Representação
Segundo a advogada, decisões condenatórias semelhantes têm sido prolatadas pelos tribunais pátrios. “Essa lei, criticada inicialmente por ser abrangente demais, precisa ser mais conhecida por todos, e não só por profissionais de Direito”.
Adélia aponta a necessidade de preservação de provas da reiteração de condutas de perseguição, conforme exigido pelo artigo 147-A do Código Penal, na forma incluída pela Lei 14.132/2021. Ela destaca também que as penas poderiam ser cumuladas em concurso formal ou material com outros crimes – o § 2º do artigo estabelece que as penas são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
“Assim poderia também cumular com a violência psicológica ou física, por exemplo, a necessária apresentação de laudos periciais ou outras provas de existência dessas violências”, afirma a especialista.
A diretora nacional do IBDFAM acrescenta: “Conforme o § 3º do artigo 147-A, no crime de stalking, a ação penal pública depende de representação da vítima, que tem o prazo de seis meses, sob pena de decadência de seu direito”.
Condutas reiteradas
De acordo com Adélia Moreira Pessoa, o stalking não é caracterizado por uma única ação, mas por várias condutas reiteradas e imprevisíveis, que impactam a saúde física e mental, o bem-estar emocional e o estilo de vida da vítima.
No estilo de vida, a professora cita consequências como: alteração de rotinas diárias e o abandono ou redução dos contatos sociais; mudança de cidade, residência, carro, e/ou emprego; aumento de despesas em resultado da necessidade de adquirir ou reforçar medidas de segurança; redução no rendimento/produtividade profissional e/ou escolar; aumento do absenteísmo e/ou redução da assiduidade; e a diminuição do salário devido a dias de trabalho perdidos, entre outros.
Os danos causados na saúde física, segundo Adélia, incluem distúrbios digestivos; alterações de apetite; náuseas; dores de cabeça; insônias; pesadelos; fraqueza; cansaço, exaustão, e alterações na aparência física. “Podem ocorrer lesões físicas como hematomas, queimaduras, lesões por arma branca ou por arma de fogo.”
“Na saúde mental e no bem-estar emocional, relatam-se: medo; culpa; desconfiança; sensação de perigo iminente; sentimentos de abandono; desânimo; perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático – PSPT; depressão; tentativas de suicídio; aumento do consumo de medicação ou automedicação”, complementa.
Os danos, segundo a diretora nacional do IBDFAM, podem impossibilitar a vítima de exercer atividades básicas do dia a dia, havendo a necessidade de tratamento com auxílio de profissional especializado.
Materialidade
Adélia reforça a importância de grupos reflexivos. “Medidas de ressocialização devem ser aplicadas ao stalker para que entenda a causa do seu problema.”
Além disso, as condutas podem ser objeto de condenação por outros crimes, desde que apresentadas as provas da materialidade desses delitos. Ela lembra que a violência psicológica é atualmente tipificada como crime autônomo, no artigo 147-B do Código Penal, incluída pela Lei 14.188/2021.
“As outras violências podem ser objeto de concurso formal ou material com o crime de perseguição, conforme estabelecido no § 2º do artigo 147-A do CP. Sempre há necessidade de provas em juízo para que se possibilite a cumulação pelo concurso formal ou material de crimes”, conclui a advogada.
Por Débora Anunciação
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