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ECA completa 33 anos; especialistas defendem reforma e sistematização do Estatuto

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) completa 33 anos nesta quinta-feira (13). A norma, assinada no dia 13 de julho de 1990, estabeleceu os direitos e deveres de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos que dispõem de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral.
Presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Silvana do Monte Moreira relembra que o ECA substituiu a Doutrina da Situação Irregular – preconizada no Código de Menores – pela Doutrina da Proteção Integral, na qual crianças e adolescentes deixam de ser objetos de intervenção para serem compreendidos como sujeitos de direitos detentores de prioridade absoluta no atendimento de seu superior interesse.
“Ignorar essa mudança paradigmática, que veio para se contrapor às superadas concepções que crianças e adolescentes eram meros objetos da família e do Estado, é desconhecer a importância da lei que, mesmo balzaquiana, continua a ser considerada ‘nova’ e é, ainda, desconhecida”, afirma.
Referência no mundo todo, o Estatuto é composto por 267 artigos divididos em dois livros: o primeiro trata de questões gerais, ou seja, como a lei deve ser entendida e qual é o alcance dos direitos que ela prevê; e o segundo traz as normas que regem a política de enfrentamento às situações de violação ou ameaça aos direitos da criança e do adolescente.
Apesar de atravessar três décadas, sua efetivação ainda enfrenta desafios, tais como a estruturação do Judiciário para que crianças e adolescentes tenham efetivada a prioridade absoluta garantida por lei.
“Para que isso seja feito, as Varas da Infância e daJuventude em matéria protetiva deveriam ter competência única, e não cumulada; elas deveriam ser equipadas com profissionais de psicologia e assistência social em número suficiente para atender às demandas de uma população tão vulnerável, sem rosto, sem voz, que não são economicamente ativos e são invisíveis aos olhos da sociedade e do Estado”, avalia Silvana.
Crianças e adolescentes no centro do debate
A especialista reflete: “O protagonismo da criança e do adolescente precisa estar presente em todos os espaços. É necessário colocar em prática o ‘nada sobre mim sem mim’ ou o ‘não fale de mim sem mim’, que significa o cuidado centrado na criança e no adolescente, com base nas suas próprias percepções e necessidades”.
Em termos dos avanços legislativos que ainda são necessários para fortalecer a proteção e a promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes, Silvana afirma que o Brasil carece de sanções pelo descumprimento dos prazos processuais.
“Entendo que todos os procedimentos do ECA, em função da prioridade absoluta, devem seguir um rito processual próprio sem a utilização do Código de Processo Civil, notadamente em razão da pluralidade de recursos existentes no Código. Com isso, os processos ficariam mais enxutos e mais céleres, garantindo, por óbvio, o direito à ampla defesa e ao contraditório, mas centrando o processo nos sujeitos de direitos da criança e adolescente, vez que únicos detentores da prioridade absoluta”, pontua.
A advogada defende uma reforma geral do ECA. “É necessário segmentá-lo na forma da boa técnica legislativa, inserindo pontos que hoje estão regulamentados por provimentos e resoluções do Conselho Nacional de Justiça – CNJ”, ela comenta.
Colcha de retalhos
Presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, o procurador de Justiça Sávio Bittencourt assume uma postura crítica às constantes mudanças sofridas pelo ECA, muitas vezes por meio de leis que tratam de assuntos que não necessariamente se relacionam com a infância e a adolescência.
“Essa prática resulta em uma legislação fragmentada e pouco sistematizada, que acaba perdendo o critério técnico necessário para a sua adequada aplicação. O ECA está virando uma colcha de retalhos, e isso o prejudica porque uma lei importante como esta deve ser concatenada com início, meio e fim, em um encadeamento lógico”, afirma.
Sávio destaca que a falta de informação sobre a realidade de crianças e adolescentes no Brasil dificulta a aplicação adequada da Lei. Ele argumenta que existem concepções que buscam proteger o entorno da criança, priorizando os interesses dos adultos em detrimento dos direitos da criança como sujeito prioritário.
“Um exemplo disso é o direito à convivência familiar e comunitária, muitas vezes negado porque se trata com muita consideração e demora os problemas dos adultos enquanto a criança fica sem família, em instituições. Então, do ponto de vista da aplicabilidade material, ainda há muita resistência às normas do ECA”, avalia.
Ele sugere ainda que um processo de reescrita e sistematização da lei seria necessário para preservar os avanços conquistados.
“Precisamos sistematizá-lo de modo que ele se torne mais lógico para o intérprete. O leitor do ECA precisa entendê-lo como uma unidade, não como uma amálgama de assuntos misturados e sobrepostos pelo excesso de legislação”, conclui.
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