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STJ julga validade de testamento particular doando bens de baixo valor; especialista defende se tratar de codicilo
Atualizado em 15/06/2023
O caso de um homem solteiro e sem herdeiros necessários que faleceu e deixou lavrado de seu próprio punho um testamento familiar sem testemunhas começou a ser analisado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Segundo os autos, ele faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes. Como não possuía relacionamento com seus "meios-irmãos", já que a família não o reconhecia, lavrou de seu próprio punho testamento particular doando seus pertences.
Em primeiro grau, o juízo validou o testamento, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP derrubou a decisão.
Ao analisar o caso, a ministra-relatora Nancy Andrighi, ressaltou que o falecido era um homem solitário, que embora reconhecido pelo pai como filho, os irmãos nunca o aceitaram.
De acordo com a ministra, no documento o homem pediu que fosse distribuída sua coleção de discos, itens da biblioteca e roupas usadas a escolas públicas, museus e asilos.
Andrighi destacou que se trata de um caso excepcional e que, considerando o baixo valor dos bens, deve ser flexibilizado.
Assim, ela conheceu o recurso e proveu para restabelecer a sentença que julgou procedente o pedido de abertura, registro e confirmação do testamento particular.
Pedido de vista
Após o voto da relatora, o ministro Moura Ribeiro pediu vista, levantando a hipótese de que o documento não fosse qualificado como testamento, mas como codicilo.
O ministro Marco Bellizze ressaltou que concorda com a relatora, pois o falecido não queria que nada fosse para os irmãos, porque se sentiu rejeitado, e que não era nada valioso. No entanto, ele diz ter receio, pois será formada uma tese.
"Imagina se fosse um imóvel, nós vamos formar uma tese entendendo como excepcional razões de ordem subjetiva, então teremos um precedente para outros casos que têm imóveis e grandes quantias", ressaltou.
Ainda segundo Bellizze, uma tese ampla demais pode abranger outras situações.
Após o debate, o julgamento foi suspenso para aguardar o voto-vista.
Codicilo
Ao analisar o caso, a professora e advogada Ana Luiza Nevares, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, concorda com o entendimento do ministro Moura Ribeiro.
“Parece-me que se trata realmente de um codicilo, documento escrito, datado e assinado pelo titular do patrimônio, sem testemunhas, no qual ele faz a exposição de bens de pequeno valor. Por isso, entendo que o documento pode ser cumprido de tal maneira”, afirma.
Ela explica que, ao tratar o documento deixado pelo homem dessa maneira, os efeitos seriam os mesmos, uma vez que a função é “atribuir os bens, causa morte, para aqueles designados no instrumento”.
“Trata-se de uma decisão que está buscando apreender a natureza desse instrumento e, ao que tudo indica, chegando ao ponto do que ele realmente é: um codicilo. Parece-me uma decisão que foi sensível e atenta aos requisitos formais do instrumento”, comenta.
A especialista não coaduna com o entendimento do ministro Marco Bellizze. “A meu ver, o correto seria mandar cumprir esse documento na qualidade de codicilo, aplicando a lei e demonstrando a utilidade de tal documento, que não é um instrumento muito utilizado no planejamento sucessório”, explica Ana Luiza Nevares.
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