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Mulher que sofreu violência psicológica e patrimonial deve ser indenizada pelo ex-companheiro
Um homem que praticou violência psicológica e patrimonial contra a ex-companheira durante a união estável deverá indenizá-la em R$ 20 mil por danos morais. A decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP foi unânime.
O juízo de primeiro grau deu procedência à ação de reconhecimento e dissolução de união estável, mas negou o pedido de indenização. O dano moral foi reconhecido na apelação.
Conforme consta no processo, gravações de áudio e mensagens de texto registraram os insultos proferidos pelo réu. Ainda conforme as provas apresentadas, o homem controlava o uso dos recursos do casal e ameaçava se desfazer de objetos da mulher caso ela não lhe entregasse todo o salário.
Na ação, a vítima alegou que precisou se submeter a tratamento psicológico após o término. Para a relatora do caso, foram comprovados pela autora os prejuízos em sua esfera emocional decorrentes da conduta ilícita.
Segundo a desembargadora, a possibilidade de arbitramento de indenizações em casos de violência doméstica é pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A magistrada pontuou que, no processo, estão presentes os elementos do dano e do nexo causal.
“Dos fatos narrados e comprovados pela autora, percebe-se que a separação do casal foi permeada por intensa violência de cunho doméstico, o que, por si só, revela a gravidade do ocorrido e o sofrimento psíquico a que foi a mesma submetida, insultada, humilhada gravemente em sua honra e controlada financeiramente”, concluiu a relatora.
Perspectiva de gênero
Alice Birchal, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, considera interessante a perspectiva da decisão, “que inova na interpretação da violência nas relações interpessoais”.
Segundo a desembargadora, o parâmetro utilizado na condenação deve se basear no dano causado. Ela explica que a violência patrimonial, cuja sanção é prevista pela Lei Maria da Penha (11.340/2006), “ultrapassa a questão material, atingindo a psique da vítima, atingindo-a moralmente e reduzindo sua autoestima”.
“Desde que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi implantado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2021, as decisões judiciais devem se pautar por devolver à vítima, presumidamente hipossuficiente na relação amorosa que a subjuga, a mesma condição de igualdade que lhe assegura a CR/88, forte nos direitos humanos, pelo princípio da dignidade”, lembra a especialista.
Alice Birchal avalia que o julgamento é um exemplo a ser seguido por toda a magistratura brasileira.
Responsabilidade civil
O advogado Mário Delgado, diretor nacional do IBDFAM, entende que a decisão do TJSP está correta do ponto de vista da responsabilidade civil. “Afinal, todo aquele que, por ato ou omissão, negligência ou imprudência violar direito e causar dano comete ato ilícito e deve indenizar a vítima do prejuízo.”
O especialista observa que além dos insultos proferidos contra a mulher, o homem controlava o uso dos recursos do casal e ameaçava se desfazer de objetos da vítima. Isso significa que, além de crimes contra a honra (injúria ou difamação) o réu praticou possíveis crimes de extorsão e dano.
“Logo, a indenização por ato ilícito era perfeitamente cabível. O único reparo que eu faria à decisão é que ela se restringiu ao âmbito cível, da responsabilização civil, quando também deveria ter oficiado ao Ministério Público para apuração do fato na seara criminal”, comenta Delgado.
Para o advogado, a decisão “foi tímida e deveria ter ido mais além”.
Invisibilidade
Apesar da “timidez”, o diretor nacional do IBDFAM pondera que a decisão contribui para reduzir a esfera de invisibilidade da violência patrimonial no âmbito dos litígios de família.
De acordo com Mário Delgado, nos processos de divórcio com partilha de bens e de alimentos são abundantes os crimes praticados contra a mulher e que passam despercebidos pelos advogados não militantes na advocacia criminal.
“Especialmente crimes de ordem patrimonial, praticados em decorrência de uma relação assimétrica de poder contra quem se encontra em desvantagem e em situação de hipossuficiência, justamente por ser mulher”, complementa o advogado.
O especialista conclui: “A violência patrimonial é uma espécie do gênero violência doméstica e familiar e precisa ser combatida, tanto quanto as demais formas de violência doméstica”.
Por Débora Anunciação
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