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Oito anos da Lei do Feminicídio: para especialista, norma tem significado simbólico e não necessariamente previne a prática
Promulgada há oito anos, em 9 de março de 2015, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) é um marco no combate à violência contra as mulheres no Brasil. A legislação alterou o artigo 121 do Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora de crime hediondo. A lei considera o assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Para a professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a lei tem um significado simbólico que não necessariamente previne a prática do feminicídio.
“Certamente, deu mais visibilidade a esta gravíssima modalidade de violência contra a mulher que, muitas vezes, é a culminância letal de uma espiral de violência, mas entendo que não é apenas o agravamento das penas que diminuirá o número de feminicídios. Já temos um vasto arcabouço jurídico de enfrentamento à violência em razão de gênero, tanto constitucionais e legais no âmbito interno como também as originadas na esfera internacional”, ela afirma.
A especialista cita a ratificação, pelo Brasil, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, de 1979, e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994.
“Com a validação, o Brasil incluiu tais preceitos em seu ordenamento jurídico e comprometeu-se a garantir direitos a todas as mulheres, além de buscar sua plena efetividade”, aponta.
Naturalização histórica
Ela também destaca que há uma naturalização histórica de várias condutas de homens e mulheres. “Hoje, as mulheres estão mais conscientes de seus direitos, mas a desigualdade ainda permanece em vários setores e em vários espaços. Sabemos que as relações domésticas conhecem conflitos que muitas vezes levam a casa a ser o lugar mais inseguro para a mulher.”
“Repetimos sempre que a lei não basta. Para que a mulher tenha direito de viver sem violência, há necessidade de um esforço conjunto de Estado e sociedade no sentido de mudar padrões culturais enraizados na sociedade brasileira. A Lei Penal pode ser um reconhecimento estatal formal de que a conduta é reprovada socialmente, estabelecendo uma pena para a conduta considerada crime”, afirma.
Adélia questiona a função da pena que, no passado, tinha uma função "retributiva", ou seja, de retribuir com o mal da pena o mal causado pelo crime. Mais recentemente, ela assume uma função de "prevenção geral" por meio da "ameaça da pena", e também uma função de "prevenção especial", evitando a reincidência do autor do crime.
"Urge mudar comportamentos e valores e, para isso, há necessidade de implantação de estratégias eficazes. Diagnósticos da situação estão sendo realizados em inúmeras pesquisas, tornando mais urgentes os encaminhamentos de soluções que passam, entre outras estratégias, pela articulação, fortalecimento, capacitação e consolidação das redes de proteção às mulheres”, ela destaca.
E acrescenta: "Vale repetir sempre que o lugar da mulher é no orçamento e, se se pretende a implantação de políticas de prevenção, acolhimento e enfrentamento à violência contra mulheres, é indispensável ampliar e executar o orçamento de Municípios, Estados e União, com tal destinação."
Ações de enfrentamento
A Lei 14.316/2022 determina que 5% das verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP sejam direcionadas para ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Segundo Adélia, é fundamental que o cumprimento dessa legislação seja monitorado.
Ela também destaca a Lei 14.164/2021, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/1996), para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica.
"Entretanto, não só na educação básica. É indispensável a construção de uma perspectiva de gênero nos currículos das escolas de todos os graus de forma transversal e/ou por meio de outras ações ou programas específicos, e também nas Escolas de Governo, do Ministério Público, do Poder Judiciário, OAB, Segurança Pública, Defensoria Pública, e ainda, equipamentos sociais e unidades de saúde, entre outras, com a sensibilização dos profissionais que trabalhem, ou não, diretamente na área de proteção e acolhimento de mulheres", afirma.
Por fim, ela destaca a necessidade de as mulheres terem acesso à informação: campanhas de prevenção da violência, sobre direitos e segurança, saúde e assistência.
"Daí o papel relevante da mídia e das redes sociais. É necessário motivar as mulheres a buscarem ajuda, facilitando o acesso aos equipamentos públicos e com estratégias de acolhimento para os encaminhamentos adequados", conclui.
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Por Guilherme Gomes
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